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Manifesto dos Professores Universitários em greve de fome na defesa da Universidade Pública
Privo-me da comida porque me privam da palavra que tem fome de ser. Privo-me da comida porque me tiram a voz, o salário e tentam tirar-me o respeito. Tenho fome de verdade. Tenho fome de saber. Tenho fome de justiça.

Nós, abaixo-assinados, docentes das Instituições Federais de Ensino Superior, sentimo-nos no dever de esclarecer à opinião pública sobre o significado político do ato pacifista e extremado, por nós materializado a partir de hoje, através de uma greve de fome. Privamo-nos da comida porque nos damos conta de uma política absurda, que produz, no Brasil, milhões de excluídos da educação, do trabalho, da moradia, do alimento básico.... e,

sobretudo, da participação nas decisões que envolvem os grandes interesses públicos brasileiros. Esta estratégia é a culminância de um longo processo no qual vimos esgotadas todas as tentativas de estabelecer um efectivo diálogo com os representantes do governo Fernando Henrique Cardoso, no que tange à pauta de reivindicações protocolizada no MEC pelo ANDES/Sindicato Nacional, desde Dezembro de 1996. Nessa pauta, explicitamos a proposta de defesa da Universidade Pública, e o Governo sequer se dignou a responder.

O adeus à Universidade Pública

Ao longo dos três anos e meio do governo de FHC, as universidades públicas sofreram sucateamento, corte de verbas e de bolsas, e tiveram os seus quadros docentes drasticamente reduzidos. Para além dos casos de óbitos, um número expressivo de docentes sentiu-se coagido a aposentar-se, movido por ameaças de perda de direitos trabalhistas, quando por ocasião da reforma da previdência. Outros, por sua vez, demitiram-se das IFES, atraídos por propostas de instituições que se propunham a remunerá-los condignamente, em consonância com suas respectivas qualificações. Ao longo desse período, os docentes ligados às IFES tiveram seus vencimentos congelados, sendo obrigados a conviver com perdas salariais que hoje gravitam em torno de 50%.
Na actualidade, as universidades públicas apresentam um déficit de aproximadamente sete mil professores.

Pronunciamento do Ministro: Verdades e Mentiras

Em pronunciamento em cadeia nacional, o Ministro Paulo Renato apresentou-se como uma pessoa aberta ao diálogo, fazendo um apelo aos professores em greve para que retornassem às actividades, comprometendo-se a pagar os salários que havia retido autoritariamente, querendo, com isso, vender à opinião pública uma imagem de pessoa tolerante, e a ideia de que a greve seria motivada meramente pela questão salarial. Entretanto, ao longo de seu discurso ficaram claras suas reais intenções. Ao afirmar que estava enviando ao
Congresso Nacional um projecto de lei que trata da Gratificação de Estímulo à Docência, acrescentou que esse projecto contemplaria o máximo de melhorias possíveis no sentido de resolver a crise das universidades públicas federais, dentro dos limites orçamentários disponíveis pelo governo, tendo, segundo ele, o mérito de incorporar inúmeras sugestões advindas de diversos segmentos da comunidade académica.

O que o ministro ocultou em seu discurso foi o desrespeito que representa tal Projecto com relação a uma série de postulados construídos ao longo das últimas décadas pelo movimento docente, visando garantir uma universidade autónoma, cuja produção compatibilize ensino, pesquisa e extensão. Com este procedimento, o ministro procura evitar que se aprofunde o desgaste que o Governo vem sofrendo diante da sociedade por mostrar-se incapaz de resolver os problemas e de conviver com a diversidade de ideias, virtude indispensável àqueles que se propõem a exercer funções de proeminência no

interior da máquina estatal, transferindo para o Congresso a responsabilidade de promulgar uma medida extremamente impopular. Protelando deliberadamente a formulação de qualquer resposta ao Movimento Docente, o Ministro pretendia cansar os professores e irritar aos alunos e aos pais dos alunos.

Greve de Fome: acto extremado e pacifista

Nas guerras contemporâneas os combatentes utilizam armas atómicas, químicas e biológicas, um arcabouço repressivo aniquilador de vidas, com um poder de destruição sem paralelo na história da humanidade. Nesta luta, em defesa das Universidades Públicas, dispomos apenas de nossos corpos. O sangue corre em nossas veias. Um coração pulsa.. Apresentamo-nos, assim, movidos por ideias, sensibilidade, gosto pela arte e amor pela vida... no limite de nossas forças.

Quem diria que os rumos da privatização das IRES, bem como a simulação da abertura ao diálogo do Ministro da Educação Paulo Renato Souza, iria conduzir-nos no dia de hoje, 15 de Junho de 1998, a revitalizar uma das mais terríveis artes de que é capaz o ser humano: A ARTE DA FOME. Tal como o protagonista kafkiano, nós também o fazemos por falta de gosto para as comidas existentes, dieta com gosto de opressão, sem possibilidade de

escolha - preparada no tacho de um projecto hegemónico, marcado pela exclusão do ser humano..

Por tudo isso, estamos em Greve de Fome e exigimos:

A RETIRADA DO PROJECTO DE LEI QUE 'INSTITUI A GRATIFICAÇÃO À DOCÊNCIA NO MAGISTÉRIO SUPERIOR, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS' E A APRESENTAÇÃO IMEDIATA DE UM PROJECTO DE LEI NEGOCIADO COM O MOVIMENTO DOCENTE DAS IFES, NO PRAZO A SER VOTADO (ATÉ 30/06/98)

Assinam:

Alexis Leite - Universidade Federal do Piauí - ADUFPI-S.SIND.

António Rafael da Silva - Universidade Federal do Maranhão - APRUMA-S.SIND.
Cândido Medeiros - Universidade Federal do Maranhão - APRUMA-S.SIND.
Delson Lima Filho - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - ADUR-RJ S. SIND.
Durval Cruz Prazeres - Universidade Federal do Maranhão - APRUMA-S. SIND.
Irenilda Ângela Santos - Universidade Federal de Mato Grosso - ADUFMAT-S. SIND.
Maria Luíza Fontenelle - Universidade Federal do Ceará - ADUFC-S. SIND.
Marcelo Guina Ferreira - Universidade Federal de Goiás - ADUFG-S.SIND.
Nelson O. Doki - Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná - SINDOCEFET-PR S. SIND.
Pedro Rodolpho Jungers Abib - Universidade Federal da Bahia - APUB-S.SIND.
Carlos Adalberto Celedone - Universidade Federal do Ceará - ADUFC-S.SIND.
Alexandre Luiz Gonçalves de Rezende - Universidade de Brasília - ADUNB-S.SIND.
Glauco Falcão de Araujo - Universidade de Brasília - ADUNB - S.SIND.
Jorge Paulo Watrin - Universidade Federal do Pará - ADUFPA -S.SIND.

  
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Edição:

N.º 70
Ano 7, Julho 1998

Autoria:

Professores Universitários

Professores Universitários

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