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Sobre o público e o privado na Internet

Numa época em que a escola ensina às crianças a pesquisar conteúdos na Internet e a trabalhar com as tecnologias da informação, torna-se indispensável reflectir uma série de novas questões – tais como a identidade e a nossa relação virtual com estas ferramentas. Novos conteúdos a explorar em termos de promoção da saúde mental. 

Um menino de sete anos abre o computador e fica calado durante horas. Para o resto da família isso constitui um alívio. Vivem num apartamento e é difícil manter uma criança desta idade sossegada, especialmente em tempo de férias. O medo cercou-os a todos e é impensável deixá-la ir brincar para a rua, “sabe-se lá o que pode acontecer!”. O problema é que a calma é aparente. Ele está a jogar um MMOG (Massive Multiplayer Online Game) especialmente direccionado para a sua faixa etária. Trata-se de uma quinta imaginária, onde as tarefas se acumulam: é preciso vender bens, tratar dos animais e da produção agrícola. Pode-se comprar animais mitológicos e ir equipando-os com uma panóplia de objectos. Mas não nos esqueçamos que essa quinta tem vizinhos e que, no mercado, há que lidar com outros jogadores. Aos poucos, o menino interage com um número apreciável de agricultores e vai construindo as suas amizades no virtual.
Já  sabemos que a curiosidade é um dos principais motores do desenvolvimento humano. Acontece que os novos meios tecnológicos proporcionam outros espaços. Referimo-nos, mais concretamente, aos meios informáticos e às novas formas de socialização que a Internet proporciona. Cada vez mais queremos procurar no ecrã dos monitores muitas das coisas que não achamos na vida. As diversas formas de interacção em tempo real que estão disponíveis permitem um desdobramento do eu e a entrada num mundo imagético que, não obstante, pode surgir depois na mais cruenta materialidade. Referimo-nos às plataformas de redes sociais (Hi5, Netlog, Twitter…), às salas de chat, à Second Life, entre outros exemplos.
O menino é agora um adolescente. A sua experiência virtual já  é considerável. Experimentou diversos jogos, interagiu com pessoas, possui a sua rede de contactos num qualquer programa Messenger. Constrói agora o seu avatar numa plataforma de redes sociais. Começa a coleccionar amigos: convida as pessoas que conhece, mas em breve pode começar a explorar as redes sociais. Clica no perfil de um amigo, descobre os amigos desse amigo, mais outro clique… Rapidamente está a analisar perfis de pessoas que não conhece. Se quer ter muitos amigos, acaba por fazer convites e começar a conversar com sabe-se lá quem.
A questão do perfil é também importante. Julgando-se ao abrigo de um anonimato imaginário, publica fotografias de si em poses vagamente eróticas. Nem sequer é muito ousado: muitos dos seus amigos e amigas publicaram fotos de seminus… Às vezes, tem que se confrontar com situações constrangedoras: uma tia ou a própria mãe visitam o seu perfil. Insurge-se então, apelando ao seu direito de privacidade (mas mantém o perfil público na Internet…). De seguida, era inevitável, vai conhecer uma pessoa com quem sentiu afinidades nas suas interacções virtuais. Pode até dar-se o caso de estar apaixonado… Trocou de número de telemóvel, enviou mensagens escritas e imagens.
Quando se vão conhecer surge um outro problema: o avatar confiante e seguro de si não consegue ser convocado para o mundo real. As pernas tremem e aquela conversa, que surgia a propósito de tudo e de nada, não anda naquela esplanada de café em que se sentaram. O eu virtual parece que cresceu para além do eu real e o que agora apetecia ao nosso adolescente era mesmo ligar o computador.
Poderíamos continuar a nossa história. Tecer-lhe inúmeros contornos, pois as possibilidades são infinitas. Vamos apenas levantar algumas interrogações: esse desdobramento do eu num imaginário avatar é possível? Um avatar pode ser completamente fantasioso ou tecer relações próximas com o mundo real, ou seja, posso criar um perfil com o meu nome no Twitter… nesse caso, esse eu é mesmo eu ou uma criação? Como gerir a questão da privacidade neste género de plataformas? O modo como interagimos com os outros e os gestos virtuais que fazemos, será que os poderemos realizar no mundo real? O eu confiante é mesmo real ou apenas uma réplica do que se deseja ser?
Numa época em que a escola ensina às crianças a pesquisar conteúdos na net, a fazer trabalhos com base nas novas tecnologias, nenhum destes assuntos está pensado. Preocupamo-nos mais em fornecer um portal de acesso à Internet, e que todos tenham computadores, mas… e o resto? Esta crónica lista apenas uma breve série de problemas que ficam por ensinar ou reflectir. São eles novos conteúdos a explorar em termos de promoção da saúde mental.

Rui Tinoco


  
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Edição:

Edição N.º 186, série II
Outono 2009

Autoria:

Rui Tinoco
Psicólogo Clínico - ACES Porto Ocidental
Rui Tinoco
Psicólogo Clínico - ACES Porto Ocidental

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