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Vossa Excelência disse uns patetas…?

 ... Um sistema que secundariza a educação desportiva escolar, abandonada pelo poder político, sem dinheiro, circunscrita no presente ano lectivo a oito concentrações inter-escolas, enquanto correm, no orçamento regional de 2009, 35,7 milhões de Euros para alimentar o monstro criado em redor da representação regional, no quadro de um desporto ao serviço da política e não de um desporto ao serviço do desenvolvimento (…).

Cristiano Ronaldo é o melhor do Mundo. Quando, ao mais alto nível, se ganha o que ele ganhou, quando, para além da soberba técnica se atinge um número impressionante de golos numa só época, quando a votação é tão expressiva, pergunta-se, quem poderia ter ganho tão almejado troféu da FIFA? Foi um justo vencedor e ponto final. Sinto-me feliz por isso, porque a excelência, em qualquer sector ou área, fazem parte da auto-estima de um povo, quando esse povo se sente representado por aqueles que, sendo da sua terra, foram eleitos os melhores. Só lamento o facto de o País não dar relevo a outros de áreas culturais e da ciência que a troco de pouco produzem muito. Choca-me, por isso, o que auferem as vedetas do desporto profissional, a imoralidade que por aí anda num futebol mundial falido, a merecer profunda reflexão. Mas esse é outro assunto, obviamente.
O que não é aceitável é que o Presidente do Governo Regional da Madeira venha colar-se àquele êxito sublinhado: "(...) havia uns patetas da oposição que queriam que não houvesse competição, que fosse toda uma massificação e nunca haveria Cristianos Ronaldos. Aí sou um pedacinho egoísta e sinto uma pontinha de orgulho nisto, porque foi a política desportiva a dar resultados". Ora, Ronaldo, oxalá fosse, não é uma consequência da política educativa e desportiva regional. Bem pelo contrário. Foi preciso partir, ainda criança, para que, através de outro enquadramento, de uma invulgar ambição e de muito sacrifício, o seu talento pudesse despertar, definitivamente, para superiores níveis de prestação técnica e competitiva. Tem acontecido assim com tantos em vários domínios e, no desporto, em várias modalidades. Razão tem o Jornalista madeirense Luís Calisto: "(...) Ronaldo é uma vedeta do tamanho do mundo, mas ninguém garante que chegaria aonde chegou se não tivesse deixado tão cedo uma terra marcada por um sistema desportivo triturador de valores (…). A capacidade financeira de ir lá fora buscar plantéis, incluindo em divisões inferiores e até em camadas jovens, permite-lhes dispensar os jovens da terra. E estes crescem sem direito a sonhar". Eu diria, sem direito à excelência, face a um sistema que secundariza a educação desportiva escolar, abandonada que está pelo poder político, sem dinheiro, circunscrita no presente ano lectivo a oito concentrações inter-escolas, enquanto correm, no orçamento regional de 2009, 35,7 milhões de Euros para alimentar o monstro criado em redor da representação regional, no quadro de um desporto ao serviço da política e não de um desporto ao serviço do desenvolvimento.
Depois, mascarando a realidade, a propósito do título conquistado, discursam sobre a correlação desse título com a promoção da Madeira. Ora, eu conheço quatro estudos sobre esta matéria porque, em todos eles, fui orientador metodológico. O último dos quais realizado por uma madeirense, Licenciada em informação turística pela Escola de Turismo do Estoril. Tratou-se de um estudo que replicou, de uma forma muito consistente, um outro realizado pela Universidade da Madeira. A investigação assentou em minuciosos inquéritos, elaborados em cinco línguas, aplicados, em percentagens idênticas, junto de turistas oriundos dos cinco maiores mercados geradores de turismo da Madeira. A abordagem foi exaustiva ao ponto da autora procurar saber quem vendeu o destino, que imagem deu do destino Madeira, que material desportivo colocou na mala de viagem e o grau de satisfação encontrado na Região em relação às expectativas criadas. E os dados apurados dão conta que 97,3% dos visitantes procuram a Madeira pelos passeios a pé, pelas montanhas e levadas, pela paisagem natural (clima, mar e flores) e pelo descanso/repouso. Seguem-se muitos dados nos mais variados domínios: tranquilidade, social, cultural, criatividade, aventura, etc.
Fica, portanto, claro, que não existe uma correlação directa entre os investimentos no desporto, sobretudo no desporto de expressão profissional, caso concreto do futebol, e os fluxos turísticos.
Ora bem, Vossa Excelência disse "uns patetas"? Coitado!

André Escórcio


  
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Edição:

Edição N.º 185, série II
Verão 2009

Autoria:

André Escórcio
Mestre em Gestão do Desporto. Professor do Ensino Secundário, Funchal
André Escórcio
Mestre em Gestão do Desporto. Professor do Ensino Secundário, Funchal

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