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Magalhães em terra

«As crianças de hoje crescem no seio da cultura do computador (?).»
Sherry Turkle,
A Vida no Ecrã (1995)

Em 1995, Sherry Turkle já nos dizia que as crianças cresciam rodeadas de artefactos tecnológicos; que dizer dos nossos dias?
As infâncias do final do Século XX e início do XXI estão tão recheadas de novas tecnologias como as vidas adultas nas mesmas épocas. E se houve alturas em que o adjectivo novas era sinónimo de caras, hoje em dia percebe-se que alguns objectos tecnológicos estão a entrar cada vez mais na fase da massificação e consequente democratização; por outras palavras, estão mais baratos e mais acessíveis a todos. Sem dúvida que haverá sempre novas e caras tecnologias, pois ir-se-á inventar sempre mais e melhor, mas isso são coisas para outro tempo. Agora, interessa recuperar as palavras computador, criança e barato, ou seja, Magalhães.  A ideia de introduzir computadores portáteis no 1º Ciclo é excelente. Aliás, em Novembro de 2005, essa foi uma de 2 ideias que apresentei num trabalho de investigação, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, com o objectivo de promover a utilização efectiva das TIC nos primeiros anos de escolaridade. Sugeri, então, equipar as salas de aula com computadores ligados à Internet. Fiz referência ao computador portátil idealizado por Nicholas Negroponte para as crianças com escassos recursos no Camboja. Tal computador, resistente e económico, designado de OLPC (One Laptop per Child), foi anunciado em Janeiro de 2005, na Suíça, e visto pela primeira vez em Novembro do mesmo ano, durante a Cimeira Mundial para a Sociedade da Informação, na Tunísia; os Ministérios da Educação dos países interessados poderiam comprá-lo a partir de finais de 2006 por cerca de 84 Euros1.
Ora, perante tais antecedentes, eu não poderia estar mais de acordo com a possibilidade de haver Magalhães espalhados pelas nossas salas de aula. E, a julgar pela quantidade de inscrições registadas no Agrupamento a que pertenço, também os pais e os alunos ficaram contentes com a iniciativa. Até aqui, tudo bem.
O que não me parece nada bem é o processo de compra que foi estabelecido.
Resumidamente, vejamos as tarefas descritas para o professor na Informação para os Professores e Encarregados de Educação: (1) informar os encarregados de educação sobre o programa e.escolinha; (2) entregar-lhes os documentos para adesão ao programa (inscrição e termo de responsabilidade) e esclarecer dúvidas; (3) realizar a inscrição dos alunos no sítio da Internet; (4) verificar a veracidade dos dados sobre os alunos e corrigi-los, caso se verifique alguma discrepância; (5) aguardar e verificar através do sítio na Internet a data de entrega dos Magalhães na escola, indicada pelos operadores; (6) assinalar no sistema que foram efectuados os pagamentos dos computadores pelos encarregados de educação; (7) receber dos operadores os Magalhães e distribuí-los pelos alunos; (8) receber dos operadores os recibos/ facturas e entregá-los aos encarregados de educação; (9) estabelecer as regras para utilização do computador em sala de aula e informar os encarregados de educação2. E, em informação anterior, dizia-se que o professor deveria desencadear o processo tantas vezes quantas as necessárias. Mais nada? ? pergunto eu.
Vejamos agora, em que momento é que os professores conseguem fazer as inscrições no sítio do e.escolinha. É claro que no tempo lectivo está fora de questão; depois do tempo lectivo, as salas de aulas estão em grande dinâmica AEC3 (e o único computador está dentro da sala, oxalá a Internet funcione e o site abra); depois, começa o período de limpeza (quando há quem limpe); depois? depois já é de noite. Então? Sim, os professores também trabalham em casa, mas e os que não têm Internet? E os que precisam de apoio nas tarefas tecnológicas?
Mesmo sem concordância (também pela necessidade de utilizar o NIF do professor para a inscrição dos alunos), o processo avança, mas qual não é o meu espanto quando, no 2º passo da inscrição do aluno n.º 1 (são 6 passos) constatei a obrigatoriedade de escrever informações que não constam da ficha de inscrição elaborada pelo programa e.escolinha! Mas isto foi organizado por quem? ? pergunto eu.
Claro que cabe ao professor fazer uma inscrição complementar e pedir aos pais que a preencham, possivelmente criando a imagem de que os professores não sabem o que andam a fazer e de que os Magalhães ainda não chegaram porque o professor ainda não fez as inscrições? Será que tudo estará resolvido antes do Natal? ? pergunto eu.
Fico irritada com isto!
Se a ideia inicial para todo este processo de aquisição dos Magalhães era mobilizar os professores para a causa, julgo que as exigências e os impasses que têm acontecido (até para os alunos que vivem em montes é obrigatório n.º de polícia!), correm o risco de se continuar a optar mais por outro tipo de ferramentas, também portáteis, mas menos tecnológicas. Infelizmente.

1 Santos, Betina (2006). CiberLeitura ? O Contributo das TIC para a Leitura no 1º Ciclo do Ensino Básico. Porto: Profedições.
2 Cf. http://www.drealentejo.pt/upload/eescolinha_informacao.pdf consultado a 6 de Novembro de 2008.
3 Actividades de Enriquecimento Curricular.

Betina Astride


  
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Edição:

N.º 184
Ano 17, Dezembro 2008

Autoria:

Betina Astride
Agrupamento Vertical de Montemor-o-Novo
Betina Astride
Agrupamento Vertical de Montemor-o-Novo

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