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Que caminho tão grande, que viagem tão cumprida...

(eu sou, eu fui, eu serei professor!)

Em 1948, exactamente há 60 anos, após a publicação do Decreto-Lei nº 37029 e da Lei n º 2025, de 19 de Junho de 1947, iniciava-se em Portugal a distinção entre Ensino Liceal, que dava acesso aos Cursos Superiores das Universidades e Ensino Técnico que, permitia uma empregabilidade rápida e qualificada e possibilitava o prosseguimento de estudos nos Institutos Comerciais e Industriais.
Em 1968, há 40 anos, com o Decreto-Lei 47 480, de 2 de Janeiro de 1967, dava-se início ao então chamado Ciclo Preparatório que juntava o 1º grau (preparatório) do Ensino Técnico (muito vocacionado para o primeiro emprego dos jovens) ao 1º Ciclo do Liceu, numa tentativa de começar a esbater a diferença entre uma opção de via de ensino nitidamente destinada às classes baixa e média baixa (ensino técnico) e outra para as classes média alta e alta (liceu).
Nem se punha em causa a qualidade da Escola Pública e, apesar de muitos não terminarem sequer a Primária, o termo "democratização do ensino", terá, segundo António Teodoro (1), de acordo com Rui Grácio, entrado para o discurso oficial ainda antes da chegada de Veiga Simão e das suas experiências pedagógicas, na década de 70.
A vontade de uma escola para todos (surgiu a tele-escola para mais gente remota e formaram-se os cursos complementares das escolas técnicas para que esses estudantes pudessem também aceder ao Ensino Superior Universitário) é bem antiga; e a inserção no Sistema de Ensino de certos profissionais - que até aí pareciam não necessitar nem da escola nem de quaisquer instituições de formação que não as locais e informais onde alicerçavam o conhecimento universal e desenvolviam os seus trabalhos (actores, jornalistas (2) e outros) - surge como premente.
Neste turbilhão emerge o 25 de Abril: a escola para todos tem que ser mesmo para todos, com todos e de todos.
O Sistema Educativo Português passa a viver intrinsecamente sob um estatuto de Reforma Ininterrupta; gestão democrática implicada, instituída logo nos anos 75-76 e com ecos de eficácia nas escolas durante muitos decénios. Cada governo quer deixar a sua marca. Apregoam profundas reformas, ou só revisões. Sempre em nome da Pátria. As Expressões ocupam um espaço nunca visto na formação integral dos indivíduos e dos professores, para rapidamente começarem a perder espaço. As directivas advêm sobretudo do Conselho Pedagógico. A Lei de Bases de 1986 afirma a necessidade de autonomia, de descentralização, de participação, de formação.
Em 1988, há 20 anos, a Comissão de Reforma do Sistema Educativo, com nomes como o de Bártolo Campos, Joaquim Azevedo, João Formosinho apresenta um relatório final que aborda: concepção da reforma; princípios orientadores; democratização do sistema educativo; sucesso; contexto histórico da reforma; programas, reorganização curricular e pedagógica, estrutural do sistema educativo, funcional e melhoria das condições de apoio; é abordada a adopção de um novo modelo de administração de professores ajustado à nova estrutura do sistema e à nova organização curricular dos ensinos básico e secundário; é citada a institucionalização de novos modelos de formação.
Surgira o ensino unificado sem diferença entre Ensino Liceal e Ensino Técnico. O sistema vai-se enrolando em si mesmo, como um grande transformer que parece não encontrar veste apropriada para o seu próprio corpo. Aparecem cursos técnico-profissionais. A Escola Cultural. A Área-Escola. Tentativas de modificar metodologias de aprendizagem e forma de estar dos docentes. O PRODEP proporcionará Centros de Formação de Associação de Escolas, a partir de 1993.
O PS, entre 1996 e 2002, tentou realizar mudanças importantes que tentaram inscrever-se no espaço das aprendizagens, como as Áreas Curriculares não Disciplinares. Logo depois, o PSD, com David Justino, anunciou uma Reforma no Secundário, em vigor desde 2003/2004, com novos programas, cursos gerais e cursos tecnológicos. A resposta às carências sociais tornava-se urgente. O sistema foi entrando em ruptura, com o descrédito nestes cursos tecnológicos do ensino público e a corrida às escolas profissionais, protocolos com instituições privadas subsidiadas pelos fundos europeus.
Em 2005, o PS depara-se com o aumento de frequência e a heterogeneidade no secundário e no superior. O ensino de massas - com populações tão diferentes - inscreve-se no dia a dia destas instituições e tem necessidades prementes: elevar o nível cultural da população, colmatar a questão da desocupação dos jovens (o ensino privado universitário fez baixar as médias de acesso às escolas públicas) e rever tudo o que antecede a chegada destes novos utentes; já não é possível inventar mais um Serviço Cívico, o 12º ano já existe (houve quem pensasse num 13º?).
Citando José Alberto Correia (3), é necessário ter presente que esta crise da escolarização, para além de social é também cognitiva: conhecer bem ou mal a vida social na escola, definida como um conjunto de comportamentos cuja pertinência está dependente de uma coesão social exterior à escola, e que se projecta e existe dentro dela mesma.
CEFs, EFAs, CNOS, Cursos Profissionais, mais não são do que a Sociedade sempre dentro da Escola, ou a Escola que não é senão da Sociedade e tenta resolver as questões da ex(in)clusão.
Em 2008, os docentes, alicerces inquestionáveis de todos estes anos de ensaios de mudança, carregam às costas e no coração muita da História do Ensino em Portugal. "Segundo Abraham o professor é o "bode expiatório" e a "esperança" de uma sociedade que transita de um modelo paternalista de domínio do indivíduo a um modelo maternalista (?)"(4).
São os professores que têm permanecido sempre aqui. Sem enjeitarem o barco. Raízes de um Mundo. A quererem ser avaliados. A cumprir Portugal, de acordo com o desejo do poeta.
Maria de Lurdes Rodrigues devia ser capaz, mais do que sabê-lo, de o poder sentir.

1) A construção política da educação. Estado, mudança social e políticas educativas no Portugal contemporâneo. Porto: Edições Afrontamento.
2) "(?) nem por isso o grupo profissional foi deixando de se afirmar publicamente, de conquistar um estatuto relevante (?) " ? Fidalgo, J. (2008). O Jornalista em Construção. Porto. Porto Editora. Pág. 50
3) Aulas de Teoria Crítica de Educação, doutoramento em Ciências da Educação, 2006
4) Lopes, A. (2001) Libertar o Desejo Resgatar a Inovação. A construção de identidades profissionais docentes. Lisboa: IIE. Pág.

Rafael Tormenta


  
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Edição:

N.º 184
Ano 17, Dezembro 2008

Autoria:

Rafael Tormenta
Professor do Ensino Secundário
Rafael Tormenta
Professor do Ensino Secundário

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