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O comer, o prazer e o ter...?!!!

Quando se questiona qualquer criança sobre as razões porque escolhe determinado alimento, ela diz-nos que é porque gosta. Não é por acaso que a indústria alimentar verifica a aceitação de um alimento antes de o colocar no mercado, tendo como principal preocupação o gosto. Depois há que adequar o seu preço e estatuto. A saúde preocupa-se com os alimentos não apenas numa perspectiva de prazer mas muito nas consequências que a ingestão de determinados alimentos de forma contínua traz, na saúde.
Fazer a ligação entre o que se come e a saúde que se tem ou a falta dela, torna-se muito difícil para as crianças e para a generalidade da população. O objectivo que têm quando escolhem alimentos prende-se muito com a saciedade. Se ficam satisfeitos, se matam a fome e obtêm prazer, então comeram bem. A sua preocupação prende-se com o imediato, o resto é o corpo que se tem que preocupar com o assunto e não "eles". De facto a vantagem de não se ter o controle sobre a regulação dos mecanismos metabólicos de forma consciente, liberta para outras tarefas, mas faz perder a noção das consequências de um acto aparentemente tão simples como comer. Quem se lembra que o facto de escolher 3 peças de fruta por dia para comer e ingerir hortícolas ao almoço e jantar consegue os 400g de vegetais recomendados para o dia, pois vai fornecer nutrientes reguladores suficientes? No entanto, esta é já uma mensagem traduzida para a população geral, de forma a ser fácil de perceber e implementar, com alguma perda no rigor da explanação científica ou na precisão das necessidades individuais.
Esta mensagem começa hoje em dia a ter mais impacto graças à publicidade alimentar da indústria de frutos e vegetais ou de grossistas e retalhistas preocupados com a chamada "responsabilidade social da empresa", uma forma de ganhar credibilidade na população e consequentemente aumentar o lucro.
Os profissionais de saúde têm receio de que a literacia modesta da população não seja suficiente para medir o que são 400g de frutos e hortícolas e portanto não é uma mensagem que passe muito nos consultórios médicos em rotinas ou nas visitas às consultas de desenvolvimento infantil. Por outro lado, as escolas não se preocupam muito em quantificar os conselhos de ingestão de vegetais e fruta. Limitam-se a afirmar que é bom comer mais vegetais e fruta e menos guloseimas. Claro que estas afirmações têm honrosas excepções em muitas escolas e consultórios do país, mas logo à partida por não serem "a tv", o impacto que têm é mínimo. A ênfase e a forma como é expressa esta mensagem não atrai, pois vai contrastar imediatamente com uma preferência absoluta de todos ? a guloseima! Talvez, se conseguíssemos dissociar as duas mensagens, a do aumento da fruta e hortícolas pudesse ter mais impacto! Se voltarmos à análise da publicidade nos média, constatamos que os anunciantes de fruta e vegetais associam-na a prazer, frescura, saúde, alegria, divertimento e não à restrição de guloseimas! Se calhar a nossa mensagem quer enquanto profissionais de saúde, quer enquanto educadores, professores e pais deve copiar esta estratégia! Nos programas de promoção de saúde ou até nas actividades de educação para a saúde cada vez mais requeridas e necessárias nas escolas, estas duas mensagem teriam mais impacto se dissociadas.
Assim, o comer fruta e vegetais, associados à alegria, juventude, saúde, divertimento e prazer, poderiam ter uma maior aceitação junto das crianças e jovens. Ter uma peça de fruta na mochila para o lanche passaria a ser sinónimo de prazer e além deste reforço positivo em termos sociais, o ganho na saúde seria consequente. Comer sopa de legumes ou salada na cantina ao almoço, passaria a ser considerado fonte de juventude, de pele saudável, com todos os antioxidantes, licopenos, clorofila e outros naturalmente existentes nos legumes e hortícolas e que a publicidade alimentar e cosmética tanto promovem. Ao elevar o estatuto social dos legumes e fruta, estes passam a ser objecto de desejo. Não se trata de tornar leviano o impacto dos nutrientes na saúde mas os nutricionistas devem perceber que a nutrição não tem importância para o dia-a-dia das pessoas. O objectivo maior para as pessoas é o que os outros pensam que "eu sou" se comer estes alimentos. No imediato, a importância do social é maior do que a saúde. Quando esta falta ou está em risco grave então este dado adquirido torna-se prioritário na vida da população activa em geral e na das crianças em particular. Daí que as mensagens de uma alimentação promotora de saúde, no meio escolar devam valer por si e sublinhar com os aspectos lúdicos e divertidos, o reforço positivo dos alimentos a promover.

Débora Cláudio


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 183
Ano 17, Novembro 2008

Autoria:

Débora Cláudio
Nutricionista Sub Região de Saúde do Porto
Débora Cláudio
Nutricionista Sub Região de Saúde do Porto

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