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A Pobreza - uma "reentrevista"

Alfredo Bruto da Costa é um reputado estudioso sobre a pobreza. Podemos fazer-lhe uma rápida "entrevista", aqui na Página, baseando-nos nas respostas que ele deu recentemente, referente ao estudo que coordenou, "Um Olhar Sobre a Pobreza". Tal estudo veio referido no jornal "Público" de 23/5/2008.
Serão os pobres "pobres porque assim tem de ser? Ou como dizia Bertold Brecht "porque quem fez o patrão também fez o criado." Bruto da Costa (BC): Alfredo Bruto da Costa, não tem dúvidas: os baixos salários são um problema grave, que contribui para a pobreza em Portugal. É preciso aumentar os ordenados e democratizar as empresas. Mas só vemos gente a comprar? Há assim tantos pobres? BC considera que metade da população portuguesa está numa situação vulnerável à pobreza! Afirma: "É mesmo assim. Este é um aspecto da pobreza que, em Portugal, é analisado pela primeira vez: quantas pessoas, ao longo de seis anos, passaram pela pobreza e foram apanhadas como pobres em pelo menos um dos anos. A opinião pública, enquanto tal, nunca foi confrontada com esta realidade." Mas onde estão esses pobres todos? BC: "Esse é outro problema: o da definição de pobreza. Quando se pensa em pobreza, pensa-se em miséria ou nos sem-abrigo. O pobre, na definição adoptada no estudo, é alguém que não consegue satisfazer de forma regular todas as necessidades básicas, assim consideradas numa sociedade como a nossa. Miséria é uma parte disso."
Os nossos pobres seriam ricos em África ou na Ásia? BC: "Sim, em termos absolutos. Em termos relativos, não necessariamente. Porque a pobreza é um fenómeno social, não apenas individual: é não ter recursos para participar nos hábitos e costumes da sociedade. Se uma criança pobre não pode vestir-se como os seus colegas, para não ser ridicularizada, mesmo que tenha mais que uma criança em África, sofre de exclusão. O que é preciso para não ser estigmatizado em Portugal é muito mais do que em outros países. Há uma definição do século XIX, que diz que uma pessoa é pobre quando não tem dinheiro para vestir uma camisa que seja aceitável na sociedade." Porque continuamos então a ter tantos pobres? BC: "A partir da entrada de Portugal na Comunidade Europeia, houve um facto que alterou a atitude da sociedade portuguesa perante a pobreza: Portugal passou a ter programas de luta contra a pobreza, através de metodologias que deram um salto qualitativo no modo de encarar e tratar a pobreza. Poderíamos esperar que a pobreza tivesse uma redução apreciável. Não teve. Em 2004, terá sido de 19 por cento, em 2005 terá sido 18 por cento. É uma tendência? Falta ver o que se passou nos anos seguintes. O que sabemos é que, durante esse período de 20 anos, andámos à volta dos 20 por cento. Mesmo que se admita que houve uma tendência ligeiramente decrescente, não explica que a ordem de grandeza se situe nos 20 por cento. A pobreza em Portugal ou se manteve estável ou teve uma redução sem proporção com o esforço feito desde que Portugal entrou na UE, na luta contra a pobreza." Os salários portugueses são baixos? BC: "É fundamentalmente um problema de salário." Os pobres não ascendem socialmente apesar dos esforços do Sistema Educativo? BC:" O sistema educativo está desenhado à imagem da família média e média alta: métodos pedagógicos, conteúdos escolares, o tipo de apoio que a criança pode ou não ter em casa, dadas as condições de habitação ou o grau de instrução dos pais? Há certos pressupostos de que os pais têm conhecimento para ajudar, de que têm acesso à internet ou a livros de consulta? Às vezes, as crianças não têm sequer um canto para fazer os trabalhos de casa." Os pobres são assim por fatalidade? BC: "É uma atitude culpabilizante. Na transição do Rendimento Mínimo Garantido para o Rendimento Social de Inserção, no debate público que houve parecia que as pessoas estavam mais interessadas em combater a fraude dos pobres do que em resolver o problema da pobreza. Isto é expressivo de uma mentalidade."

Baseado em entrevista a António Marujo, Público.

Carlos Alberto Mota


  
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Edição:

N.º 182
Ano 17, Outubro 2008

Autoria:

Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real
Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real

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