«Um sonho novo quer paredes novas.» (António Correia de Oliveira, Os Teus Sonetos)
Depois de serem conhecidas várias versões do documento proposto pelo Governo para debate público, foi agora divulgada (15/05/07) a versão completa e final do «Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior». A designação deste diploma, só por si, mostra a diferença entre a anterior legislação sobre esta matéria e que é agora revogada: «Autonomia das Universidades» (Lei nº 108/88) e «Estatuto e Autonomia dos Estabelecimentos de Ensino Superior Politécnico» (Lei nº 54/90). Desaparece assim uma palavra-chave, associada ao ensino superior ? autonomia. De facto, e na sequência do Relatório da OCDE sobre a avaliação do ensino superior, dado a conhecer em 14/12/06, anunciava-se o propósito de actuar em conformidade, ou seja, o obstinado ministro Mariano Gago quer "pôr ordem" no sistema e restabelecer a "cadeia de comando" no pressuposto de que assim se garante a eficácia da gestão das universidades e dos politécnicos, públicos e privados. Entretanto, o imbróglio da Universidade Independente veio acentuar a necessidade da "rédea curta" para esse estranho mundo que foi crescendo à sombra do numerus clausus e da vontade massificada de obter um diploma superior. O rol de 18 «contra-ordenações», previsto no artº 149º, implicando pesadas coimas e sanções, é bem elucidativo. Apesar de o duro princípio da realidade não oferecer dúvidas na destrinça entre o ensino universitário e o politécnico, o actual ministro prossegue o louvável exercício semântico de procurar distinguir a «natureza binária do sistema» que a Lei de Bases de 1986 não foi capaz de clarificar. Assim, as universidades são instituições de «alto nível na criação» e, portanto, conferem o grau de doutor. Já os institutos politécnicos não merecem tal adjectivação e não vão além dos graus de licenciado e mestre; quanto aos saberes, são de «natureza profissional», ficando-se pela «investigação orientada» (novo conceito da era Gago) cabendo apenas às universidades a sua difusão!? Os politécnicos seriam ainda caracterizados pela «inserção na comunidade territorial» e «ligação às actividades profissionais e empresariais» (daí que se exija que metade dos seus «especialistas», título agora instituído, desenvolva actividade profissional fora da instituição). Em termos de órgãos, a especificidade do politécnico configura-se na designação do Conselho Técnico-Científico (só C. Científico no universitário). Uma valia do presente diploma é o de se aplicar ao conjunto das instituições dos vários sub-sistemas do ensino superior que se regem, a partir de agora, por normas comuns (por isso se estranha a não revogação da Lei nº 26/2000 referente à «Organização e Ordenamento do Ensino Superior»). Mas o maior mérito desta proposta prende-se com a redução do número de órgãos de governo e gestão das instituições: desaparece a Assembleia do Instituto, a Comissão Permanente do Conselho Geral, a Assembleia de Representantes, o Senado, o Conselho Directivo (substituído pelo Director) e o Conselho Administrativo (dá lugar a um Conselho de Gestão). O Conselho Científico é constituído por representantes eleitos, num máximo de 25 membros, colocando-se fim à inerência, que perdurava desde o tempo de Sottomayor Cardia (1976). Por sua vez, o Conselho Pedagógico mantém a paridade de professores e alunos, mas passa a ser presidido pelo Director. Por último, ao ser criado o Conselho Coordenador do Ensino Superior (artºs 153º e 154º), tendo por «missão o aconselhamento» do Ministro da Ciência Tecnologia e Ensino Superior, com uma composição adiada para diploma próprio, espera-se que tal implique o desaparecimento dos inoperantes CRUP e CCISP, ainda que no texto se ponha a hipótese de «representação oficial e de coordenação das instituições de ensino superior públicas, a nível global ou de cada subsistema» (nº 2 do artº 17º). A influência norte-americana no modelo de designação do reitor e do presidente é evidente, mas o erro de escala é enorme: o Conselho Geral nada tem a ver com o Board of trustees. Em suma, (i) diminuem os processos eleitorais em detrimento das "nomeações"; (ii) centraliza-se o poder no reitor/presidente/director; (iii) as faculdades/escolas perdem muito da sua autonomia; (iv) reforça-se o controlo do MCTES sobre todo o sistema de ensino superior. Porém, a questão central, a mais polémica e mediática, é a da possibilidade de transformação dos estabelecimentos de ensino superior em fundações (cap. V, artºs 119º a 123º). A fórmula, decorrente das orientações da OCDE, já foi aplicada recentemente às escolas profissionais. Não se vislumbrando vantagens significativas nessa mudança institucional, temos sérias dúvidas que as escolas públicas venham a tomar tal iniciativa. O sistema nunca se reformou por dentro. Resta então ao ministro da tutela accionar o nº 6 do artº 119º e criar as fundações que entender para maior racionalidade da oferta educativa e diminuição do número de funcionários públicos. Assim se cumprirá o défice. A UE agradece.
Nota: Este texto teve a sua primeira edição em: http://www.setubalnarede.pt/content/index.php?action=articlesDetailFo&rec=9390
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