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Para além da homofobia ?
Em Março passado, o Ministro da Educação Polaco expressou publicamente a sua intenção em proibir professores homossexuais de exercerem em escolas ou centros para jovens, no quadro de uma legislação que proíbe a "propagação de comportamentos desviantes nas escolas" (vd. http://www.humanrightshouse.org/). A proposta de lei teria como objectivo evitar que "uma pessoa que propague a homossexualidade" (sic!) (e, já agora, como?!!!). O ministro viria depois, perante a pressão da União Europeia, a dizer que não se tratar de vedar o acesso à profissão aos professores com uma orientação sexual diferente, mas "apenas" os que contribuem para a "propagação" de um estilo de vida homossexual. Aparentemente, e de acordo com o site referido, o ministro pediu desculpas no dia seguinte a ter proferido estas afirmações, mas é verdade que comentários desta natureza têm sido recorrentes.
O dia 17 de Maio é assinalado como o Dia Internacional Contra a Homofobia pois foi nessa data que, em 1990, a Organização Mundial de Saúde retirou a homossexualidade da lista de doenças mentais. Fê-lo, sublinhe-se, com algum atraso relativamente às organizações específicas no domínio da saúde mental que já haviam iniciado este processo na década de 70. Significa isto que é cientificamente incorrecto e ilegítimo falar-se da homossexualidade enquanto doença mental ou perturbação ou comportamento desviante.
Mas, apesar das regulamentações de organizações científicas e profissionais, o preconceito não precisa de legitimação. Deste modo, e lamentavelmente, o episódio polaco não é um episódio isolado e corresponde a uma expressão explícita do preconceito que ainda grassa nas nossas sociedades ? dentro e fora das escolas, em Portugal como noutros países. O relatório da Amnistia Internacional de 2006 (http://www.amnistia-internacional.pt/dmdocuments/Panorama_Geral.pdf) reconhece que situações de discriminação e violência contra as pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transexuais (LGBT) são ainda prática corrente em muitos países. No contexto de uma investigação sobre a identidade homossexual realizada por Nuno Carneiro na Universidade do Porto, um jovem verbalizava assim a sua experiência de vivência da homossexualidade no contexto escolar: "quanto mais temos consciência de ser assim, mais temos medo de o dizer aos outros".
Confesso que comecei a interessar-me e escrever sobre estas questões há muitos anos, no início da década de 90. Nessa altura, o preconceito contra a homossexualidade era evidente e a vivência de jovens e adultos, nas escolas e fora delas, era muitas vezes dramática ? as pessoas viviam situações de forte exclusão e discriminação activa, acompanhadas pelo medo de que alguém soubesse. Este forte preconceito era muitas vezes internalizado, em especial por adolescentes e jovens, o que resultava numa descoberta de si como homossexual profundamente sofrida. A evolução social nesta matéria, em Portugal, é evidente, muito em resultado do trabalho das associações de defesa dos direitos LGBT que foram denunciando situações de discriminação em contextos vários (lembram-se ainda das regulamentações do Instituto Português de Sangue ou da tipologia criativa do Instituto Nacional de Estatística?) e reclamando a expansão de direitos para as pessoas com uma orientação sexual diversa. A integração de Portugal no espaço da União Europeia contribuiu fortemente para alguma da evolução neste domínio, com a orientação sexual a ser integrada, em 2004, no artº 13º da Constituição que afirma o princípio da igualdade e da dignidade social dos cidadãos ? de toda/os a/os cidadã/os.
Mas a homofobia continua a ter expressão na vida pública em Portugal, com nenhum sentido de responsabilidade sobre as implicações que esse discurso pode ter na vida das pessoas. Se pensarmos nos acontecimentos, protagonizados por crianças e jovens, que resultaram na morte de Gisberta, nas histórias (quase sempre privadas) de jovens homossexuais espancados por grupos de outros jovens, ? talvez reconheçamos que já é tempo de as perspectivas afirmativas da homossexualidade assumirem o espaço público e as instituições educativas, de saúde, judiciais, ? remetendo para um merecido silêncio as crenças homofóbicas que discriminam as pessoas pelas formas que encontram de expressar amor.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 168
Ano 16, Junho 2007

Autoria:

Isabel Menezes
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Isabel Menezes
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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