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Gente miúda e graúda que brinca? e gosta!

S. João da Madeira ? 20 anos a inovar

Brincar e gostar de brincar é o que se passa no ATL Gente Miúda, situado em S. João da Madeira, no distrito de Aveiro, que este ano comemora 20 anos de existência. Enquanto estão no ATL (1), as crianças estão com adultos que as entendem não como "o futuro do país", mas como gente com plenos direitos a uma vida livre, digna e feliz no presente.
Neste ATL aposta-se num ambiente simpático e acolhedor para dar azo às mais variadas brincadeiras. Com imaginação, crianças e adultos dançam, pintam, contam histórias, trocam cromos, passeiam, jogam, ouvem e aprendem música, conversam nas mais diversas linguagens, exprimindo o que sentem da maneira que desejam. Chegado o Verão, apesar de viverem longe do mar, fazem sempre uma "praiinha" ? juntam umas piscinas de plástico no pátio, enchem-nas de água e depois de umas boas banhocas aquecem-se ao sol enquanto discutem os assuntos da actualidade! Para completar a brincadeira, fazem petiscos (churrascos, bolos, mousses, pizzas, saladas), para comemorar qualquer coisa ou simplesmente para receber os pais e amigos, num exemplo de hospitalidade e boas maneiras de quem sabe receber à portuguesa ? sempre à mesa. Gente Miúda está de parabéns. Sente-se que a preocupação são as crianças, quando se estudam as actividades a desenvolver: "Primeiro dialogamos com elas e, sempre que é possível, envolvemo-las na organização. Não fazem todas tudo, vão escolhendo de acordo com os seus interesses. Neste momento temos jovens que já frequentaram o ATL e agora são monitores" ? diz uma educadora.
As actividades são pensadas com as crianças e não para elas, contrariamente ao que o Ministério da Educação (ME) propõe com a implementação da Escola a Tempo Inteiro. "O nosso desafio no ATL sempre foi valorizar o brincar. O tempo que passam na escola já é mais do que suficiente para o tipo de actividade que lá se faz. As diferentes actividades que as crianças aqui fazem acaba por ser sempre uma forma de brincar, pois elas escolhem, aderem e vão-se socializando de uma forma descontraída". Um exemplo que contrasta com a forma como o ME está agora a querer impor aos professores uma organização demasiado orientada, deixando para a criança somente o espaço da execução (em que todo o processo de exploração se perde), criando constrangimentos a crianças e educadores/as.
No ATL Gente Miúda, a gente miúda vive o presente, com um projecto que sentem como seu porque participam na definição das suas escolhas. Não são enquadrados numa mera projecção de um produto de aprendizagens organizadas pelos adultos para cumprir um qualquer programa Ministerial. Ao valorizar as realidades culturais e cognitivas e as motivações das crianças, apoia-se de uma forma mais efectiva o seu desenvolvimento e aumenta-se o seu grau de empenho, de concentração e de aquisição de conhecimentos. A concepção de infância implícita neste tipo de práticas toma as crianças como seres activos, com capacidade de iniciativa e com identidade própria (não se considera que qualquer actividade serve para qualquer criança de qualquer faixa etária em qualquer ano que se pratique). Todas as crianças gostam de brincar, criar e explorar materiais e no fundo todos/as educadores/as sabem disto. Foi por isso que no dia 2 de Fevereiro, pais, parentes, autarcas, professores/as, crianças e alguns amigos, se juntaram no auditório dos Paços da Cultura em S. João da Madeira para comemorar e dialogar.
Se o ME estivesse mais atento e informado sobre casos de sucesso como este que, com esforço, criatividade e dedicação se vão construindo, talvez que os documentos e directivas emanadas dos seus gabinetes pudessem ser mais úteis para aqueles que deveriam ser a única preocupação das políticas para a infância: as crianças que realmente existem, e não as abstracções subjacentes às directivas de políticos que parecem ainda não ter entendido a velha máxima de Fernando Pessoa de que toda a teoria é a teoria de uma pratica e toda a prática é a pratica de uma teoria.
Parabéns a vocês, grande Gente Miúda!

(1) ATL é a sigla porque são conhecidos os centros de Actividades de Tempo Livre


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 165
Ano 16, Março 2007

Autoria:

Maria José Araújo
Bolseira da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Investigadora do Centro de Investigação e Intervenção Educativas da FPCE-UP
Maria José Araújo
Bolseira da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Investigadora do Centro de Investigação e Intervenção Educativas da FPCE-UP

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