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Grandes eventos desportivos & políticas públicas
No mundo do desporto, o mais importante é fazer. Em conformidade, o "just do it" da Nike, tem contaminado as decisões que em matéria de políticas públicas deviam orientar o desenvolvimento do desporto no país. O problema é que não chega fazer. Não chega sequer fazer bem. É fundamental fazer as coisas certas. Não há nada pior do que alguém com responsabilidades, a fazer bem as coisas erradas. É um desperdício.
O XIII Governo Constitucional anunciou em 1999 uma nova era para o desporto, sustentada na realização de grandes eventos desportivos. Nesta perspectiva, as Federações com o apoio da Administração Pública passaram a candidatar-se à organização de eventos. Nos últimos anos realizaram-se os seguintes:
Campeonato do Mundo de basquetebol de juniores masculinos (1999);
Campeonato da Europa de piscina curta (1999); Masters Cup em ténis (2000); Mundial de atletismo de pista coberta (2001); Mundial de ciclismo estrada (2001); Liga Mundial de voleibol (2001); Campeonato da Europa de seniores femininos de hóquei em patins (2002); Mundial de esgrima (2002); Gymnaestrada (2002); Mundial de andebol (2003); Campeonato da Europa de futebol (2004); Estoril Open (2005); Lisboa ? Dakar (2005) (2006); Mundiais de pesca desportiva (2006).
Quanto ao futuro está já prevista a realização de:
Taça da Europa de triatlo (2007); Campeonato do Mundo de classes olímpicas ? vela (2007); Portugal Masters ? golfe (2007); Campeonato da Europa de triatlo (2008); Campeonato Europeu de judo (2008); Campeonato do Mundo de orientação (2008).
Ao tempo, a Secretaria de Estado do Desporto justificava a aposta pela realização de grandes eventos desportivos com as seguintes palavras: "A organização de eventos desportivos internacionais no nosso país, quando bem sucedidos, resultam numa importante promoção de Portugal no mundo, na entrada de divisas no País e numa mobilização de vontades e pessoas com efeitos reconhecidamente positivos e relevantes no plano desportivo e social."
Portanto, para além de todos os benefícios económicos esperados mas que como hoje é possível constatar não passaram de uma ilusão, o aumento do número de praticantes desportivos foi o grande objectivo da realização de tais eventos. Contudo, o que hoje acontece é que o resultado de tal política se traduziu em 2004 no mais baixo índice (23%) de prática desportiva da Europa. De facto, o relatório intitulado "The Citizens of European Union and Sport" divulgado em 2006, diz-nos que Portugal no quadro das nações desenvolvidas vive afastado da prática desportiva, com todas as consequências nefastas para a saúde física, mental e social dos portugueses. Quer dizer, temos dirigentes, temos eventos, temos até instalações desportivas, só não temos é praticantes. O trágico é que não temos sequer uma estrutura com um mínimo de dignidade, responsável pelo Desporto Escolar, que possa superar esta falha endémica do nosso sistema educativo/desportivo.
Entretanto, qual não é o nosso espanto quando vemos o secretário de Estado do Desporto afirmar que "vai apoiar totalmente" a realização da 2ª edição dos Jogos da Lusofonia (2009). Para o efeito, solicitou ao Comité Olímpico de Portugal (COP) um "relatório de apreciação" dos primeiros Jogos, realizados em Macau em 2006, que custaram a módica quantia de16 milhões de euros, pagos certamente com as duas grandes indústria daquela região chinesa. A do jogo e a outra.
Independentemente dos discursos apologéticos acerca do efeito catalizador do desporto na disseminação do ideal lusófono, da competência do mesmo no combate ao racismo e à xenofobia, ou até na eventual resolução de todos os males do mundo, são necessários processos para a tomada de decisão que obriguem a que eventos deste tipo se traduzam em vantagens para os portugueses e não sirvam só para satisfazer as ambições de alguns políticos e as megalomanias de outros tantos dirigentes desportivos.
Quando os primeiros Jogos da lusofonia arrancaram, "não havia plena consciência da sua amplitude", disse o presidente do COP! É a síndrome da Alice no país das maravilhas. O busílis da política desportiva em Portugal. O país não pode continuar a aceitar a possibilidade de serem proferidas afirmações deste tipo, na medida em se trata de dinheiro dos contribuintes. É tempo de se deixar de navegar à vista. É imperioso que se saiba para onde se quer ir. O desporto não pode continuar a ser sugado por forças entrópicas que olimpicamente lhe tiram a possibilidade de produzir sentido.
Para além das lamechas do costume, em termos reais, para o que é que servem os Jogos da Lusofonia?
A partir desta questão há muitas outras a responder, quando se calcula que a edição portuguesa dos Jogos custará ao erário público qualquer coisa como 10 milhões de euros.
Será o desporto capaz de se libertar do seu passado salazarista? Vamos continuar a insistir em políticas que conduziram o país à situação lamentável de estar na cauda da Europa? Qual é a vocação e missão dos Jogos da Lusofonia? Quais os seus objectivos e quem são os seus destinatários? Quais os benefícios que o país e os portugueses vão colher da sua realização? Em alternativa a que projectos?
Qual o destino a dar aos Jogos Desportivos dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), instituídos em 1990, a fim de, como dizia o próprio Governo, "corporizarem uma alavanca fundamental de cooperação na comunidade lusófona"? Vamos ter jogos em duplicado? Temos assim tanto dinheiro? Saberá este país administrar-se?
É tempo do Governo, em matéria de políticas públicas desportivas saber para onde quer ir, sob pena de quando aparecerem as próximas estatísticas, mais uma vez, termos de concluir que afinal, não foi a lado nenhum.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 165
Ano 16, Março 2007

Autoria:

Gustavo Pires
Professor na Univ. Técnica de Lisboa
Gustavo Pires
Professor na Univ. Técnica de Lisboa

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