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A questão da regulação da televisão

a propósito do acordo de classificação de programas

No passado dia 2 de Outubro, os operadores de televisão portugueses, RTP, SIC e TVI, deram início à aplicação do sistema de classificação de conteúdos com recomendação etária de visionamento dos programas produzidos para difusão colectiva.
Há um ano atrás, a SIC e a TVI, cada uma por si, tinham já dado início a um sistema de classificação idêntico. Como as estações utilizaram sinaléticas diferentes, essa situação pode ter provocado alguma confusão nos telespectadores que tinham de conhecer dois códigos distintos.
Algumas das primeiras reacções, ecoadas pelos media na altura do anúncio do actual acordo, desvalorizaram-no, mostrando-se cépticas quanto os seus efeitos. Em minha opinião, aquele acordo é uma medida positiva que se deve acolher com expectativa.
Sendo actualmente inegável a importância e a influência da televisão na sociedade e sendo também frequentes as vozes críticas que, de forma reiterada, apontam os seus supostos malefícios, exigindo que as estações pautem a sua actividade por uma responsabilidade social que dê primazia ao interesse público, considero importante apoiar e incentivar iniciativas como esta porquanto se apresentam como uma forma voluntária de responsabilização, baseada em relações activas e de diálogo entre as próprias estações televisivas e entre elas e a sociedade.
De acordo com alguns autores que estudam os media, nomeadamente, McQuail (2003), Wolton (1992), Blumler e Hoffman-Riem (1992), a auto-regulação apresenta-se como um modelo mais eficaz que o da regulamentação normativa e de controlo. Este último modelo pressupõe a existência de legislação e de órgãos específicos de controlo da conduta dos canais através de requisitos específicos, de proibições e sanções sobre as infracções cometidas pelos operadores, enquanto a auto-regulação (designada de modelo de referência estrutural por Hoffman-Riem) corresponde a uma vontade própria de proteger determinados valores no audiovisual. O seu funcionamento deriva de um compromisso voluntário dos agentes envolvidos na actividade que se propõem regular pelo que há uma maior probabilidade do sistema funcionar porque é simultaneamente voluntário e do próprio interesse dos media e dos profissionais. Tem, portanto, o benefício de não ser coercivo, o que pode encorajar a melhoria voluntária bem como o auto-controlo. Estas são, portanto, algumas das vantagens do modelo estrutural em relação ao modelo normativo.
Ao enfatizar a auto-regulação, baseada nos autores supra citados, não pretendo deixar de reconhecer a importância da legislação e das instâncias fiscalizadoras e reguladores dos meios de comunicação. Talvez nenhum dos enquadramentos descritos seja, por si só, suficiente para a tarefa da regulação da televisão, área em que há ainda muitos espaços em branco (questões que não são tratadas e outras que não o são adequadamente). No entanto, o que importa salientar é que há uma diversidade de formas de regulação e que a auto-regulação, ao orientar-se pelo princípio da responsabilidade social, apresenta-se actualmente como uma forma (complementar para uns, alternativa para outros) a considerar e a incentivar.
Voltando ao acordo entre a RTP, SIC e TVI, é natural, e até esperável, que os telespectadores tenham expectativas relativamente à sua aplicação, ao seu cumprimento, e aos seus possíveis efeitos. A este respeito, será importante que o público não assista à implementação desta medida sentado no sofá de sua casa. É essencial que saiba que tem margens de manobra e que procure informar-se sobre os mecanismos e procedimentos para reclamar dos media a observância dos compromissos assumidos com a sociedade, exigindo a sua responsabilização. O público pode também contribuir para aperfeiçoar e até alargar o acordo agora firmado. É claro que o contexto de recepção televisiva faz aqui toda a diferença. A educação das crianças para um uso criterioso da televisão deve começar no quadro familiar (principal meio onde ocorre o visionamento televisivo), pelo que qualquer classificação de programas de muito pouco servirá se não houver acompanhamento e aconselhamento parental. No quadro das práticas de mediação familiar em relação à televisão, essa classificação pode servir de guia e de orientação aos pais.
Antes do mais, é necessário conhecer e compreender o sistema de classificação. Para isso podem contribuir as próprias estações televisivas se contemplarem nas suas grelhas de programação a divulgação deste acordo com o objectivo de dar a conhecer aos telespectadores a importância do mesmo, explicando o significado da classificação dos programas e dos símbolos utilizados na mesma. O ideal seria dirigir também ao público infanto-juvenil essa informação, numa linguagem adequada à compreensão das crianças.
A escola pode também desempenhar um papel importante a este nível. Numa perspectiva de educação para a cidadania, seria importante que crianças e jovens encontrassem no contexto escolar oportunidades para aprender a descodificar a classificação dos programas, para debater a importância deste acordo, para o público televisivo e para a sociedade em geral, e para encontrar formas de (re)acção.

Referências Bibliográficas:

  • Blumler, J., Hoffman-Riem, W. (1992). New Roles for Public Service Television. In J. Blumler (Ed.), Television and the Public Interest. London: Sage Publications.
  • McQuail D. (2003). Teoria da Comunicação de Massas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
  • Wolton, D. (1994). Elogio do Grande Público. Uma Teoria Crítica da Televisão. Porto: Edições Asa.

Sistema de Classificação de Programas de Televisão

RTP, SIC, TVI (Outubro de 2006)

Nível 1 ? TODOS

Programação destinada a todos os públicos. Universal. Para todos

Nível 2 ? 10AP

Em princípio todos podem assistir. Algumas cenas podem não ser adequadas a menores mais sensíveis, pelo que os pais são aconselhados a avaliar o seu conteúdo.

Nível 3 ? 12AP

Podem assistir todos os pré-adolescentes e adolescentes. O tratamento dos temas deve ser adequado às diferentes fases da adolescência Alguns dos temas tratados podem exigir um particular grau de maturidade, naturalmente distinto em cada espectador. pelo que os pais e educadores são aconselhados a avaliar o seu conteúdo.

Nível 4 ? 16

Programas destinados a pessoas expectavelmente informadas sobre o conteúdo, o qual seria susceptível de influir de modo negativo na formação da personalidade das crianças e adolescentes, nomeadamente pela exibição de conteúdos violentos.


  
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Edição:

N.º 161
Ano 15, Novembro 2006

Autoria:

Sara Pereira
Universidade do Minho
Sara Pereira
Universidade do Minho

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