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Quando a escola se converte numa montra de marcas

Já sabemos que hoje as crianças não resistem às marcas: de roupa, de sapatilhas, de adereços, de material escolar. Para os pais, as despesas são avassaladoras; para os professores, esta tendência não pode ser ignorada, principalmente se os alunos estabelecerem uma divisão entre aqueles que têm e os que não podem ter produtos de marca. No meu tempo, havia "betinhos" e os outros. Mas esses "outros" eram uma massa enorme de alunos que não acompanhavam a moda. Hoje, tal grupo é cada vez mais minoritário e é isso que me põe a pensar.
Ao entrar, um destes dias, numa das grandes superfícies, confesso que fiquei com vertigens. Em grande destaque, estava reservada uma enorme área para a venda de material escolar: havia os livros dos "Morangos com Açúcar", o porta lápis da "Floribella", as canetas de não sei quem? Que confusão! Em início de ano lectivo, as televisões enchem-se de "spots" publicitários que parecem centrados no campo da educação, quando, na verdade, nunca saíram do domínio do mercado. Não era assim no meu tempo: na fase da primária (1º ciclo actual), recordo muito bem as tardes passadas com o meu pai a forrar livros com papel colorido e depois com um plástico para não estragar nada; em tempos de escola secundária, lá ficava eu à espera de conhecer os manuais das novas disciplinas. Lembro muito bem os livros e o material escolar que passaram pelas minhas mãos (grande parte deles ainda conservo no sótão cá de casa). Sei quantas pastas tive para pôr os livros, não esqueci os porta-lápis que me deram e recordo mesmo algum do papel que forrava as capas dos manuais. Falo de um tempo em que o "marketing" não era tão agressivo, nem a programação televisiva infanto-juvenil tão ligada à promoção de marcas. Não é assim actualmente.
E se há pais que se dobram incondicionalmente às constantes solicitações dos filhos que lhes pedem o telemóvel de última geração, os cadernos dos "Morangos" ou as sapatilhas "xpto", há também agregados familiares cujo orçamento mensal quase não chega para as despesas correntes. Acolhendo crianças de diferentes universos, a escola tem obrigação de promover no seu interior uma educação para o consumo. Que neutralize diferentes possibilidades de compra que os alunos (ou melhor, os pais) têm e, sobretudo, eventuais divisões que esses produtos estabelecem entre os estudantes.
É verdade que esta cultura que se distancia criticamente de um consumo mecanizado também deve ser promovida pela família. Enquanto aluna, os meus pais nunca se preocuparam muito com o material a comprar, nem com a roupa que eu iria vestir. Disseram-me reiteradamente que eu iria gostar muito da escola: aí iria aprender muitas coisas, conhecer muitas pessoas e descobrir que o mundo era muito grande. E foi assim que eu me habituei a olhar para aquele sítio: como um dos lugares centrais no meu desenvolvimento pessoal, promotor de renovados conhecimentos e neutralizador de desigualdades sociais.
Talvez este apego pelas aparências que caracteriza a contemporaneidade leve a um cultivo exagerado de produtos que estão na moda. No entanto, a escola não pode ser um local vergado àquilo que se passa à superfície. É sua obrigação levar os alunos a ver mais fundo. Seria bom que professores e alunos reflectissem em conjunto sobre o significado de determinadas marcas. Que sinais elas nos dão daquilo que (não) somos? Porque as valorizamos tanto? O que nos leva a persegui-las quase cegamente? Se todos pensarmos bem nisso, talvez percebamos que, por vezes, aqueles que usam marcas apresentam vulnerabilidades que até podem ser invisíveis, mas que existem para lá daquilo que aparentam. A indústria do consumo agradece que se ignore esta parte oculta do mercado.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 160
Ano 15, Outubro 2006

Autoria:

Felisbela Lopes
Professora de Jornalismo na Universidade do Minho
Felisbela Lopes
Professora de Jornalismo na Universidade do Minho

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