Página  >  Edições  >  N.º 159  >  "Quem escolhe não são as famílias, a escola é que depois de muito escolhida começa a escolher os alunos"

"Quem escolhe não são as famílias, a escola é que depois de muito escolhida começa a escolher os alunos"

Rankings das escolas

A publicação dos rankings é um acontecimento sazonal na comunicação social. Para a opinião pública passa-se a ideia de que uma escola só é boa se estiver nos primeiros lugares das listas publicadas. Rui Santiago, docente do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e Jurídicas da Universidade de Aveiro, utiliza uma metáfora para ilustrar este acontecimento. «Os rankings mostram apenas quem ganha a medalha de ouro, a de prata e a de bronze». Jorge Adelino, docente do Departamento de Ciências da Educação, da Universidade de Aveiro, questiona-se sobre a importância dada pelo Ministério da Educação e pelas Direcções Regionais de Educação aos rankings: «Que actuação pretendem pôr em prática para as escolas que apresentam maus resultados?» António Neto Mendes, também docente do Departamento de Ciências da Educação, da Universidade de Aveiro alerta para «a desigualdade de condições e de oportunidades» que pode suscitar a «retórica da liberdade de escolha», na qual se baseiam os defensores dos rankings. Estes três professores aceitaram o desafio de A PÁGINA da Educação para uma breve mesa redonda em torno dos rankings das escolas e da sua discussão.

A publicação dos rankings é um acontecimento que tem vindo a ganhar alguma espectacularidade na comunicação social. Como vêem esta situação?

Rui Santiago ? A publicação dos rankings na comunicação social está a provocar alterações nas concepções de sociedade e escola. Para mim é um dos aspectos mais negativos que daí advém. Está-se a passar para a opinião pública a ideia de que a escola só é boa se estiver nos primeiros lugares daquela hierarquização. Lentamente está-se a transformar a noção de educação como bem público.

António Neto Mendes ? Um dos aspectos a salientar é que a publicação dos rankings é feita em nome de uma informação que se presta ao público, nomeadamente às famílias, apresentada como um direito que lhes assiste. Isto levanta vários problemas, desde logo quanto ao tipo de informação que os rankings encerram em si mesmos. Trata-se de uma leitura imediatista que se resume na seguinte fórmula: as escolas melhor colocadas nos rankings são as melhores. Esta leitura mantém na sombra toda uma discussão que devia ser feita e que os especialistas fazem, mas que é muito difícil passar para a opinião pública. Até porque a informação sobre os rankings não se compadece com o tempo e a profundidade que essas análises exigem.

Jorge Adelino ? Na minha opinião, não existem rankings das escolas em Portugal. Este é um conceito mediático. Existem avaliações dos alunos do 12º ano por escolas. Actualmente os rankings já me preocupam menos porque começam a não ter a importância que tinham no início, uma vez que, tendo por base os resultados obtidos pelos alunos, se alteram radicalmente de um ano para o outro. Independentemente da importância da avaliação, a sociedade está a criar uma tendência para avaliar, para criar a norma, ou seja, estipular um nível que toda a gente tem de alcançar. E portanto, toda a criatividade e a originalidade começam a ser deixadas para um segundo plano, em função de uma performance, um nível, um ranking a atingir.
Tudo isto tem uma série de consequências. Em Inglaterra, por exemplo, notam-se mudanças no local de habitação em função dos resultados das escolas.

Rui Santiago: Uma das coisas por detrás desta mobilidade demográfica é a questão da escolha. Parte-se do pressuposto que uma melhor informação proporciona uma melhor escolha mas, se nos situarmos no âmbito das teorias económicas que estão por detrás dessas perspectivas, verificamos que há sempre uma assimetria na informação e portanto as escolhas nunca serão perfeitas, nem haverá um equilíbrio óptimo. Outro aspecto, é que no plano da escolha a situação se está a inverter. Quem escolhe não são as famílias, mas é a escola que depois de muito escolhida começa a escolher os alunos. Isto já é claro em escolas privadas e publicas.
Na Nova Zelândia fizeram a experiência de liberalizar a escolha das escolas, no entanto, esta medida teve de ser abolida pois estava a gerar uma guetização e a criar um grave desequilíbrio no sistema educativo. Este é um dos perigos por detrás da filosofia de mercado que pode funcionar bem na economia mas não em áreas onde aquilo que se ?produz? não é um objecto vendável.
Voltando à questão da mobilidade, ainda que não demográfica, em Portugal há famílias que fazem deslocações enormes para levar os filhos a frequentar as escolas que estão no topo dos rankings. Normalmente, escolas frequentadas por alunos da classe média/média-alta. É verdade que talvez os rankings percam o impacto que têm pela excessiva mediatização, mas quem lê jornais são as classes média/média-alta e são também quem mais pressão exerce sobre as escolas. 

Os defensores dos rankings insistem em ver neste modelo um meio para a resolução de problemas como o insucesso e o abandono escolares ou uma forma de promoção da competitividade entre escolas. Considera que esta é uma visão distorcida?

Rui Santiago: Completamente. Utilizando uma metáfora desportiva, só serve para mostrar quem, num determinado ano, ganha a medalha de ouro, a de prata e a de bronze. E quanto aos outros? Se os outros não corressem nunca haveria apenas três primeiros, ou só corriam três e criava-se apenas um primeiro lugar.
Eu acho que essa ideia de competição em áreas em que deve haver forte solidariedade social, tem servido para aprofundar as desigualdades. E se a sociedade não assumir isso claramente os sistemas educativos correm o risco de se desintegrar.

António Neto Mendes: Penso que uma das questões centrais neste debate é a regulação do sistema e saber quem deve regulá-lo. E as tendências neoconservadoras e neoliberais tendem a fazer uma aposta na regulação pelo mercado ? aliás, os rankings só fazem sentido nessa perspectiva ?, baseado na retórica da liberdade de escolha, da diversidade de oferta que aumenta essa liberdade de escolha. Isto levanta um problema de desigualdade de condições e de oportunidades, porque teoricamente até pode funcionar nos grandes centros urbanos, mas nos pequenos centros a liberdade de escolha desaparece porque não há ?consumidores? suficientes para alimentar a oferta. A questão dos rankings passa, sobretudo, pelo dilema de premiar as melhores e punir as piores.

Essa tem sido uma reivindicação das escolas que obtêm melhor classificação ? que normalmente são escolas privadas ?, começam a exigir por parte do Ministério da Educação um prémio pelo mérito do seu trabalho...

Jorge Adelino: Eu penso que existe uma certa mistificação na comunicação social, porque os colégios privados só estão em primeiro lugar em Lisboa e no Porto, com condições sociais e alunos muito específicos. Não encontro mais nenhum sítio do país onde isso aconteça.

Rui Santiago: Há até dois exemplos elucidativos: o Colégio das Caldinhas e um outro em Lisboa, ambos geridos pelos jesuítas. O de Lisboa apareceu em primeiro lugar nos rankings, o das Caldinhas perto do 150º lugar... Na altura, o responsável pelos jesuítas disse que esse facto era normal, porque o Colégio das Caldinhas recebe todos os miúdos sem excepção e assume-se como uma escola para todos.

António Mendes Neto: As tais escolas que têm possibilidade de escolher os alunos têm outras armas para jogar nos rankings. Isto à partida vicia as regras do jogo, inclusivamente do jogo que os defensores dos rankings defendem.
Depois, há claramente uma mediatização desta questão, a forma como alguns meios de comunicação - nomeadamente as televisões, que chegam a um maior número de pessoas - fazem um aproveitamento político e uma leitura limitada dos factos, afirmando que as escolas privadas continuam a ser as melhores escolas. Isto não é uma leitura neutra, porque isso não existe. Há claramente uma perspectiva enviesada, que se percebe qual é o alcance...

Até que ponto este modelo de avaliação de rankings está a influenciar as políticas educativas e as próprias práticas das escolas?

Rui Santiago: Tenho conhecimento de alguns trabalhos sobre o impacto dos rankings nas escolas onde se afirma que estes estão, de facto, a influenciar as suas práticas. Apesar da grande relutância manifestada pelos professores, eram eles próprios quem tinha começado a trabalhar os currículos e os exames de forma a, no ano seguinte, subir alguns lugares na escala.
E esta prática não dá ideia do que é a realidade de uma escola, nomeadamente do trabalho educativo dos professores, que se torna ?invisível? para a comunidade. E este processo castrador dos processos educativos é dramático, porque faz retroceder vinte ou trinta anos...

Jorge Adelino: Outra questão fundamental é saber de que forma a tutela encara esta questão. O que temos visto é que ela é indiferente, talvez não tanto à política em si, mas às estratégias de actuação.
Tendo em conta que os rankings existem há cinco ou seis anos, o que tem sido feito? Que leitura faz o Ministério da Educação e as Direcções Regionais de Educação deste modelo e que actuação pretendem pôr em prática para as escolas que apresentam maus resultados?

António Neto Mendes: Eu não sei se a opinião pública valoriza muito os rankings, mas a administração pública não valoriza com certeza... Olhando com seriedade para os rankings, temos escolas que sistematicamente manifestam dificuldades. Então, devia implementar-se um conjunto de medidas para promover estas escolas e criar condições para que elas, nessa perspectiva, possam competir. De qualquer forma, penso que é muito forçado chamar a este ranking de escolas uma avaliação das escolas.

Rui Santiago: Pessoalmente, penso que podíamos promover um outro tipo de debate sobre estes rankings, não interessa se a favor ou contra, mais em torno dos indicadores e que se aproximasse da ideia de avaliação das escolas...

Com vista a promover a mudança interna nas escolas, provavelmente faria mais sentido que, tal como há pouco se referia, este tipo de avaliação fosse efectuada a nível interno, nas escolas para as escolas e com vista à mudança...

Rui Santiago: Claro. E até para os próprios pais, de alguma forma. Nós sabemos que os pais aderem à informação de uma maneira completamente diferente, até de acordo com a sua origem social. A possibilidade que eles têm de trabalhar essa informação e de a transformar num instrumento que a coloque ao serviço da organização de um determinado projecto é completamente diferente

António Mendes Neto: Os estudos que existem sobre a participação dos pais na escola chegam todos à mesma conclusão: os pais que participam são os que têm condições de descodificar a linguagem da escola, tirar partido dessa informação e colocá-la ao serviço dos seus filhos. Portanto, até por aí a liberdade de escolha e a capacidade de decisão e de transformar essa informação em conhecimento continua a beneficiar os pais que já estão numa posição privilegiada.
É evidente que nós continuamos com um problema de fundo, que é a dificuldade de comunicação entre a escola e as famílias e vice-versa, mas não são os rankings que o irão resolver.

Jorge Adelino: É óbvio que as escolas precisam de processos de avaliação, quer internos quer externos, e que eles podem dar-lhes condições e indicadores para melhorar uma série de aspectos. Mas isso a que me refiro não tem nada a ver com os rankings que temos.

Debate moderado por: Andreia Lobo


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 159
Ano 15, Agosto/Setembro 2006

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo