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O Director de Turma como elemento aglutinador da heterogeneidade da Escola

Práticas pedagógicas

Na actual conjuntura educativa, o papel do Director de Turma tem sido oportunisticamente aproveitado pela tutela de forma despudorada, sem qualquer respeito pela especificidade da sua função. A Direcção de Turma tende a assumir papel central no âmbito do processo educativo, pelo que é premente que se façam sobre o assunto algumas reflexões. Na relação interpessoal enquadra-se e complementa o desenvolvimento pessoal do professor. A diferença entre Professor e alunos pode advir de múltiplas causas: sociais, culturais, económicas, étnicas e até políticas, consideradas individualmente ou em conjunto. Dependendo do meio da comunidade escolar, da origem sócio cultural dos alunos, estes factores podem constituir, à partida, um difícil obstáculo à acção do Professor, entorpecendo e mesmo, nalguns casos, impedindo a implementação de um bom clima na relação entre docente e alunos e, consequentemente, defraudando o processo de ensino aprendizagem. Na maior parte dos casos, ocorrem desvios deste género no sentido dos alunos, ou seja, proveniência de grupos sociais mais carentes, mas pode acontecer igualmente o contrário, esta situação por vezes bem mais dolorosa para o Professor.
A aceitação da diferença não deverá passar pela mera tolerância mas sim pela convivência interactiva com o elemento diverso, devendo o professor, nos casos de meios desfavorecidos, discernir as atitudes essencialmente desencadeadas por um ambiente familiar adverso. A criação de um clima positivo na relação professor aluno passará, inevitavelmente, pela capacidade de se conviver tendo em conta elementos contraditórios e até factores de crispação, a serem eliminados por diálogo aberto, predisposição para debater e confrontar possíveis divergências, implementar contratos pedagógicos negociados e não impostos unilateralmente pelo docente.
Um bom clima na sala de aula só é possível a partir do pressuposto que o grupo-turma é constituído por indivíduos. Muitos deles têm necessidades e ordem de prioridades diversas, configurando modelos de auto-estima a exigir motivações individualizadas. O que é importante para a auto-confiança de um aluno pode ser desprezível para outro, tudo dependendo da sua ordem de valores, do meio em que está inserido e do seu percurso escolar e extra escolar. A atenção individualizante do Professor torna-se essencial, para despistar eventuais casos desviantes na turma que podem constituir-se em factores de perturbação do normal funcionamento da aula e integração do aluno na comunidade escolar.
A disposição bem explícita do professor para a resolução dos problemas que afectam os alunos, mesmo que não directamente relacionados com a disciplina ou com a Escola, desinibirá os jovens e estabelecerá um saudável ambiente de confiança e simpatia. O conhecimento individual da turma torna-se fundamental para concertar ritmos de aprendizagem numa lógica coerente do processo de ensino-aprendizagem, evitando desníveis exagerados que a verificarem-se, levarão a cisões graves no seio do grupo-turma, inviabilizando o espírito de amizade e solidariedade a dever ser implementado na sala de aula e consequente acção socializadora.
As normas de convivência são o dispositivo através do qual o grupo-turma e a Escola em geral poderá viver o seu quotidiano sem entraves de maior. Estas normas devem ser entendidas, antes de mais, pelos próprios alunos como forma do seu dia a dia escolar decorrer de forma saudável e produtiva. É no entanto, necessário, que essas normas se alicercem em valores de justiça, tolerância e respeito pela diferença. Particularmente em certas escolas de públicos mais heterogéneos, a socialização efectiva-se na base da aceitação da diferença, convergindo a comunidade escolar num conjunto de princípios que não devem ser postos em causa, valores esses fundados na sociedade democrática e na liberdade.
Neste contexto, não podemos deixar de fazer aqui uma primeira referência à componente de Formação Cívica, enquanto área curricular privilegiada no domínio dos comportamentos em grupo e no trabalho das competências transversais relacionadas com a convivência. É complexa a relação entre responsabilidade e liberdade, mas não deve o Professor evitar abordar o assunto e consciencializar o jovem dessa mesma complexidade. Liberdade sem responsabilidade pode derivar com facilidade para o desgoverno e o contrário, responsabilidade sem liberdade, deturpa a primeira e descairá inevitavelmente no autoritarismo. No equilíbrio da relação entre estas duas componentes formadoras da personalidade reside o dilema e, simultaneamente, a solução, de uma convivência harmoniosa entre os elementos constituintes da comunidade escolar. Jovens responsáveis e livres, integrando no próprio ensino- percurso escolar os erros normais que surgirão, nomeadamente de cariz disciplinar, reformulando-os num processo de aprendizagem de convivência, no respeito por si e pelos outros.
Naturalmente que a convergência da acção educativa dos professores será fundamental para a coerência na transmissão dos valores fundamentais por que se regem as normas da cidadania.
A relação com Encarregados de Educação constitui um aspecto fundamental, sem o qual os objectivos de qualquer Projecto Curricular de Turma e plano de acção de Director de Turma  sairá incompleto. Pretende-se uma comunicação fluida entre Casa ? Escola ? Casa, para que a ambiência sócio-afectiva do aluno possa ser integrada numa globalidade conhecida pelo Director de Turma e se possa dar seguimento efectivo às estratégias definidas no Projecto Curricular de Turma, no concernente aos aspectos socializantes.
Naturalmente que estes desideratos são conseguidos com a presença local do Encarregado de Educação na Escola o número de vezes considerada suficiente, e o acompanhamento em casa da vida escolar do educando.
Feitas estas considerações, saliente-se de novo o importante papel do Director de Turma em toda a dinâmica escolar, pelo que os aspectos relacionados com a sua actividade merecem, mesmo, regulamentação cuidada e reconhecimento inequívoco da sua essencialidade no meio escolar,  para que a sua acção e os desideratos pretendidos sejam alcançados efectivamente.


  
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Edição:

N.º 159
Ano 15, Agosto/Setembro 2006

Autoria:

Paulo Frederico F. Gonçalves
Professor, Porto
Paulo Frederico F. Gonçalves
Professor, Porto

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