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"Mr. Artistic Cowboy" - Sam Shepard

Ao Professor Vieira Marques que, na Figueira da Foz, nos deu a conhecer algum do melhor cinema que se ia fazendo pelo mundo

?Fool for Love? é a peça que, para a maioria das pessoas, define Sam Shepard, tipificando a seu fascínio pelo Oeste americano e dando origem à imagem que se lhe colou de ?Mr Artistic Cowboy?. Talvez seja por isso que esta peça de 1983, na qual um tórrido caso de amor incestuoso nos intriga, ainda hoje. Também a versão para cinema dirigida por Robert Altman, e interpretada pelo próprio Sam Shepard, ajudou à criação da lenda.
Ansioso por não se repetir, ele é hoje autor de mais de 40 peças. O irónico é que ainda hoje essa imagem se lhe cola. ?É estranho,? diz ?porque estava a usar este material unicamente como trampolim para outra coisa. Aquilo que procurava era o que se passava entre as personagens. Não estava a tentar escrever uma visão particular do Oeste, usei-o porque foi onde nasci, cresci e gosto dele. Não estava, nem estou interessado, em fazer declarações filosóficas ou políticas sobre ele - estava interessado em fazer as personagens envolver-se no seu elemento e deixá-las existir.?
No seu melhor Shepard mostra o verdadeiro espírito americano, nascido do medo e do puritanismo, iconografia secular, inundada de violência, crueldade e destruição,  apesar de desejar continuamente  libertação espiritual. ? Existe uma espécie de loucura no espírito americano,? diz ele, ?A cultura americana é intrinsecamente violenta . Está na Constituição o direito ao uso de armas. Para mim, é daí que vem a loucura. Os meus antepassados vieram para a América no Mayflower. O primeiro rapaz branco nascido na colónia de Plymouth é meu antepassado. Deram-lhe o nome de Peregrine White- isto é, falcão, falcão branco.?
As peças de Shepard são normalmente classificadas como ?míticas?, e mito é o da família americana, selvaticamente repudiada na trilogia de Shepard ?Curse of the Starving Class?, ?Buried Child? e ?True West?. Nestas peças perturbantes  a família é um lugar de loucura, alcoolismo e infanticídio.  A desilusão com a sua própria educação permite-lhe penetrar na hipocrisia de uma nação, intrinsecamente violenta e coerciva, mas que usa e abusa do cliché ?family values?.
Estas peças fazem parte de um trabalho contínuo no qual Sam Shepard explorou o carácter contraditório de seu pai. Originário de uma quinta do Illinois, o pai, Sam Shepard Rogers, foi piloto de caça durante a II Guerra Mundial. Quando regressou era um homem transtornado, alcoólico e embarcando em negócios ruinosos. ?Cresci num ambiente incrivelmente instável. Muito violento, muito louco, sentia-me constantemente ameaçado e cresci assustadiço. Fui obrigado a sair de casa aos dezoito anos, mas mantive a ligação mais cinco. Mantive-me em contacto com a minha mãe, mas o meu pai bebia constantemente nessa altura. Tinha ido para o México por sua conta e estava completamente... Demorou muito tempo a ultrapassar isso. Nunca me libertei da sensação de me sentir cercado.?
Os críticos de Shepard acusam-no de escrever sempre sobre a mesma obsessão ? como ele próprio diz  ?pais e filhos?. Defensor, notoriamente, da sua privacidade, e não gostando de falar da sua família,  admite que Jessica Lange, com quem casou após a morte do seu pai em 1984, lhe deu estabilidade, e claramente adora os filhos. ? Sabe, Flann O?Brien teve uma incrível frase: ? I am my own father and my son?. Houve momentos em que estive com o meu filho mais velho, Jessie, em que senti que ele era o pai e eu era o filho. Ou que ele era meu irmão, percebe? Estas coisas são no mínimo muito frágeis?.
Em 1984 Shepard foi nomeado para um Óscar pela sua interpretação do astronauta Chuck Yeager no filme de Phillip Kauffman ?The Right Stuff?. Mas ele, é no mínimo, desconfiado em relação a Hollywood, preocupado com o facto de poder estar a desperdiçar o seu talento para escrever, e hoje apenas aparece como intérprete quando está a precisar de dinheiro. Escreveu mais sobre a dificuldade e a alegria do processo criativo do que qualquer outro dramaturgo, mas pensa que não é nada de especial. ?É apenas uma forma de viver e penso que não há necessidade de perder muito tempo com isso, falar da dor e do êxtase da criação. Just do it. Já descobri muito sobre como o fazer e me libertar disso. Estamos presos com tantos nós, que quando nos libertamos de um, de repente uma séria de coisas aparecem. É vibrante, mas é como se tivesses de te enganar para teres a liberdade para o fazer. Não é suficiente a vontade de escrever. É preciso que mais qualquer coisa  ocorra e te permita ter liberdade para escreveres para ti próprio. Quando isso acontece, torna-se uma revelação. Transforma-se em algo  que ficas satisfeito por fazer.?
As declarações de Sam Shepard foram publicadas no Guardian Weekly, de 23-26 de Junho de 2006


  
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Edição:

N.º 159
Ano 15, Agosto/Setembro 2006

Autoria:

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto
Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto

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