Página  >  Edições  >  N.º 159  >  De Arca de Mijavelhas a Estação Campo 24 de Agosto: aprendendo com a cidade

De Arca de Mijavelhas a Estação Campo 24 de Agosto: aprendendo com a cidade

?O Homem pela sua acção, marcou no tempo o seu testemunho e soube dar a água a forma e a fórmula de enriquecimento mútuo. No caminho para Valongo e além saciava quem chegava e partia. Depois, já enterrada, deu água e vida a quem no Porto permanecia. Agora seca, vê passar os olhos de quem confirma num ápice, e segue. Boa Viagem?(1)

A estação de metro Campo 24 de Agosto − um espaço de intensa circulação de transeuntes anônimos na cidade d?O Porto − desde a arquitetura e a comunicação audiovisual e gráfica, atravessadas pela história e pelas práticas sócio-culturais, converte-se em um lugar informado, um espaço pedagógico cultural, como evidencia o imenso mural/linha de vida da fonte remontada onde encontramos a inscrição acima citada. O projecto da Estação do Campo 24 de Agosto foi estrategicamente pensado de modo a inserir e expor o achado arqueológico encontrado no local, um pedaço da história daquela cidade: a Arca de Água de Mijavelhas ( Metro do Porto, 2006).
Meu olhar estrangeiro, de brasileira, foi capturado por este cenário urbano ímpar, cujos traços arquitetônicos contemporâneos ? espaços vazios, transparências e metais ? abriga uma construção pesada, de pedras largas, uma antiga fonte pública de abastecimento de águas. Aproximando o olhar, é possível reconhecê-la como uma espécie de sítio arqueológico, livro que relata seis séculos ? do séc. XIV ao séc. XX ? de história com múltiplos cenários e atores.
É curioso constatar como os habitantes atuais e os turistas na cidade d?O Porto se apropriam do lugar e aprendem a sua história. O casal de namorados, sentado à beira das pedras, conversa intimamente como se fizesse parte do cenário ? apenas seus modos e indumentária parecem revelar a sua condição de transeuntes do século XXI. Crianças vestindo uniformes escolares soltam-se das mãos dos adultos que as vigiam. Algumas param à frente de uma tela ampla para olhar as imagens do passado projetadas repetidamente e ouvir a história narrada. Outras brincam de esconde-esconde, entrando e saindo por aberturas em forma de arcos.
Os adultos, distraídos ou apressados, circulam por aquele marco da história da urbanização portuguesa. Lançam, desde os elevadores envidraçados e das escadas rolantes, um olhar rápido para aqueles que mais lentamente (re)descobrem o significado da Arca de Mijavelhas, antigo chafariz, reservatório e, hoje, memória do lugar onde se planta a estação. É desta forma que os cenários urbanos como espaços de aprendizagem parecem não ser vivenciados em si mesmos, mas em relação aos seus arredores, às seqüências de elementos que a ele conduzem, à lembrança de experiências anteriores.
Parece-me ser a partir destas relações que a cidade ? constituindo-se categoria sociológica (Oliven, 1980) na articulação de elementos econômicos, políticos, militares, religiosos, culturais ? se constrói como uma espécie de texto cultural produzido no entrecruzamento de múltiplas territorialidades e temporalidades que convivem lado a lado, inscritas em diferentes lógicas e na articulação/conexão de diferentes tipos de elementos urbanos. É como texto cultural que a cidade permite aprender de si, do outro, da circulação e das dinâmicas propostas pela disposição destes elementos, como prática sócio-cultural de leitura a partir de seus múltiplos contextos.
É necessário lembrar, ainda, que apesar das cidades existirem há muito tempo, é só recentemente que elas são representadas como lugar/cenário do cotidiano urbano, intensamente dependentes da cultura, e como condição de possibilidade para que cada cidadão, através de vastas cadeias associativas impregnadas de lembranças e de significados, aprenda a partir dela, como um alargamento do espaço do pedagógico, para além da escola, na perspectiva das pedagogias culturais. As cidades podem, então, ser vistas como lugares sociais onde o poder é organizado e difundido, provocando um aprendizado que se ajusta ao desejo, apreende a imaginação e edifica a percepção, instituindo e sendo instituído por diferentes/múltiplas identidades no âmbito das culturas.

1) O texto acima citado foi transcrito pela autora diretamente do mural existente na estação Campo 24 de Agosto, do metro da cidade portuguesa d?O Porto, em Fevereiro de 2006, guardando sua pontuação, acentuação e ortografia.

Referências:

  • METRO DO PORTO- A VIDA EM MOVIMENTO. http://www.metrodoporto.pt . Acessado em 29 de Julho de 2006.
  • OLIVEN, Ruben George. Urbanização e Mudança Social no Brasil. Petrópolis (RJ): Vozes, 1980.

  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 159
Ano 15, Agosto/Setembro 2006

Autoria:

Marta Campos de Quadros
Mestre em Educação pela Ulbra, Especialista em Teoria do Jornalismo e Comunicação de Massa, e Docente do Curso de Comunicação Social da Universidade de Passo Fundo/RS.
Marta Campos de Quadros
Mestre em Educação pela Ulbra, Especialista em Teoria do Jornalismo e Comunicação de Massa, e Docente do Curso de Comunicação Social da Universidade de Passo Fundo/RS.

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo