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A modo de cavaca ao artigo «As aulas de substituição»

Foi com muito agrado que reli a página firmada pelo docente jubilado António Bastos, por isso não pretendo que estas linhas sejam uma crítica pessoal ou um acometida ocasional por vir defender as aulas de substituição. Nada disso, até porque admiro quem, neste momento já desfruta a justa aposentação, ainda tenha saudades de leccionar e, confessa uma clara preocupação pelo ensino.
Permita-me dizer, e já lá vão muitos anos, que prometi não escrever para semanários ou qualquer outro tipo de jornal. No entanto, na medida do possível, continuo a lê-los pelas notícias e artigos que vão de encontro aos meus interesses.
Não tenho medo às aulas de substituição, até por que já atravessei mais 50 ? mesmo assim considero extremamente injusto leccioná-las, apesar de não caber aqui legitimar esta posição ? de Física, Francês ou Tecnológicas. Ficamos por aqui para não enredar.
Prezado colega e leitor, saibam que quando deparei, pela primeira vez, com uma turma (de Educação Visual) à volta das tintas e dos quadros ? eu que até devia ter seguido pintura ? senti-me como peixe na água.  Propus esbranquiçar a magenta no telhado  da  capela, como  faria Modigliani, no trabalho  de uma aluna de calças rasgadas.  A seguir, ao  jovem com brincos numa orelha, que pintava a estátua do ?Faunito?(1), pude dizer que simplificasse a   paisagem, como fez Chirico no ?O Enigma do Oráculo?, cuja figura se me indicia análoga com a do A. Azevedo. E foram se os 2 tempos de 45, sem saber se estive cientificamente bem!
Fui um dia com uma ficha de cultura geral para uma substituição a Inglês do 9º Ano  ?  para quem estudou 3  anos de Inglês, há mais de 30 ? e  teve sorte de  topar  a  turma  pedindo  para  estudar  Geografia (o que é um rogo insólito!) ? eu que não olvidei a definição de azimute, que sei ler os  gráficos hipsométricos, que localizo bem o Cruzeiro do Sul, a Estrela Polar ? fiquei abismado ao ver os alunos nas operações com distâncias em anos de luz, falando de buracos negros e utilizando conceitos que eu ouvia pela primeira vez!!
Caro leitor, quando encarei de novo uma turma, em substituição de Português, que quis agarrar a Gramática, foi de gritos! Então apercebi-me que o tempo dos substantivos há muito tinha ido. O mesmo se tinha passado com a análise das frases, com as árvores generativas, que já nada dizia aos discentes, emaranhados nos deícticos e nos perlocutórios, nos elocutórios indirectos e nos hiperónimos,  nos holonímias e nas meronímias,  nas assonâncias e nas declarações assertivas! E enquanto me adequava a este discurso pediam-me ajuda no remate de um poema em anadiploses! Quando saímos duma destas, só falta toparmos alguém pedir-nos para ?rire aux èclats?!
Estimado leitor, não há tempo para estudar inglês em detrimento do Espanhol que se gosta mais! Já não há vontade, para quem andou com velha Selecta de Português do Cónego Barreiros e aprendeu as figuras de retórica num livro de António Cabral, para  pegar agora num manual de Baylon, com o objectivo de aprender gramática, sabendo que amanhã vai entrar em moda o ?Usos da Linguagem? de Vanoye!
Se hoje, salvo excepções ? diga-se muitas com formação superior! - apregoam que os professores não sabem nada, o que passarão a dizer se os alunos levarem a notícia de que os ?stôres? estão leste das áreas que não são a da sua formação. Quando exigem que se tem de estudar mais e pedem para se esteja mais tempo com os alunos, nem que seja, para ensinar-lhes a usar a faca e o garfo (já que os pais o não fazem em casa!), nos 5º anos, como fazem os professores em Setembro e Outubro, enquanto almoçam na cantina.
Antes do derradeiro ponto final, deixem-me dizer que quem faz milagres com substituições ? para lenitivo de uns tantos visionários e agrado dos pais que não tem tempo para os filhos (contrariados com as pseudo-aulas) e que os querem todo o dia na escola! ? vai a caminho do céu!

(1) Escultura de António de Azevedo, que foi professor em Guimarães, e que possui dezenas de obras espalhadas pelo País.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 157
Ano 15, Junho 2006

Autoria:

José Manuel Teixeira
Professor na Escola EB 2/3 D. Afonso Henriques
José Manuel Teixeira
Professor na Escola EB 2/3 D. Afonso Henriques

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