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Enfrentado tendências hegemônicas

Cinema e educação

Este outro cinema, na contra-mão do avassalador e sufocante cinema de vertente hollywoodiana, acredito serem obras de arte e que, como tal, nos fazem refletir, sinalizam atitudes de mudança face ao ?status quo? e, ao mesmo tempo, aliam a fruição estética ao instrumento educativo.

Observa-se hoje um enorme entusiasmo pelo mundo fascinante que é o do cinema. No entanto, esse entusiasmo não nos pode fazer esquecer aquilo que tende a constituir-se como uma tendência hegemônica, ou mesmo totalitária, do cinema de vertente hollywwodiana para integrar e diluir em si outras cinematografias, essenciais para a construção e o aprofundamento da contemporaneidade. A onipresença deste cinema, em alguma medida, amplia o nosso horizonte observável, que nunca foi tão vasto, mas esconde aquilo a que Debray chama os territórios da utopia. Estes territórios da utopia são também os dos espaços invisíveis da poesia, da leitura, do sonho, isto é, da imaginação que serão encontrados em um tipo de cinema, mas não em outros.
Apesar das grandes dificuldades, com passos lentos, mas seguros, uma nova filmografia está em curso, seduzindo inúmeros diretores em todo o mundo, que têm trazido às telas esse rico e complexo universo onde se movimenta o ser humano.
Deste modo, torna-se fundamental que os educadores acompanhem e estejam atentos a este novo cinema, dialogando com ele nas escolas e espaços educativos. Do contrário, estaremos reproduzindo na escola a colonização vigente no cinema.
Como não nos emocionarmos com os conflitos da infância e da adolescência e do papel dos adultos nesse diálogo intergeracional, quantas vezes carregado de tensões, presentes em filmes como ?Central do Brasil? do brasileiro Walter Salles, como ?Os filhos do paraíso? do iraniano Majid Majidi, como ?Bicho de sete cabeças? da brasileira Laís Bodansky?
Como não viajar pelos territórios da utopia deleitando-nos com ?O Sacrifício do russo Andrei Tarkovsky, com ?A eternidade e um dia? do grego Theo Angelopoulos, com ?Sonhos? do japonês Akira Kurosawa?
Como não nos indignarmos com as denúncias tão belamente transpostas para a tela com ?Antes da Chuva? do macedônio Milcho Menchevsky, com ?O senhor das moscas? do norte-americano Harry Hook, com ?Abril Despedaçado? do brasileiro Walter Salles, com ?Laranja Mecânica? do norte-americano Stanley Kubrick?
Como não nos perturbarmos com o olhar, quantas vezes perplexo, de seres humanos que buscam fazer a leitura de culturas que lhe são estranhas, como em ?Urga: uma paixão do fim do mundo? do russo Nikita Mikhálkov, com ?O homem que virou suco? do brasileiro João Batista de Andrade, com ?Terra de ninguém? do esloveno Danis Tanovic?
Como não rir até ás lágrimas com ?A última noite de Boris Grushenko? do norte-americano Woody Allen, com ?Underground: mentiras de guerra? do ioguslavo Emir Kusturika, com ?Parente é serpente? do italiano Mario Monicelli?
Como não refletir profundamente sobre essa outra metade da humanidade, representada pelo universo das mulheres, com ?Persona? do sueco Ingmar Bergman, com ?Lanternas vermelhas? do chinês Zhang Yimou, com ?A História Oficial? do argentino Luis Puenzo, com ?Tempo de espera? da tunisina Moufida Tlatli?
Estes exemplos de filmes e daqueles que os dirigiram, é minha homenagem ao que considero um cinema que nos pode acrescentar algo. Trata-se, como é óbvio, de uma ínfima parte de cinema de qualidade que, em distintos lugares do planeta (inclusive nos EUA), procura romper com o cinema dominante. Estes filmes, dificilmente chegam ao grande público, ficando sua exibição restrita a pouco mais do que os ciclos e festivais de cinema que, a intervalos regulares, despontam aqui e além. Se passam na televisão, o que é raro, normalmente isso ocorre de madrugada, horário em que a maioria dos espectadores está dormindo.
Este outro cinema, na contra-mão do avassalador e sufocante cinema de vertente hollywoodiana, acredito serem obras de arte e que, como tal, nos fazem refletir, sinalizam atitudes de mudança face ao ?status quo? e, ao mesmo tempo aliam a fruição estética ao instrumento educativo.
Este novo cinema exige atenta e persistente colaboração dos artistas pedagogos, numa via de mão dupla com seus parceiros da arte cinematográfica.
Ao olhar perturbador, ao empenho e persistência de um número crescente de Diretores na busca de novos caminhos para o cinema, o público em geral, e os educadores em particular, agradecem.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 157
Ano 15, Junho 2006

Autoria:

José de Sousa Miguel Lopes
Univ. do Leste de Minas Gerais, Brasil
José de Sousa Miguel Lopes
Univ. do Leste de Minas Gerais, Brasil

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