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Um «pequeno soldado de Mao» relembra a Revolução Cultural quarenta anos depois

"A questão não era tornar-se ou não um guarda vermelho ? todos queriam ser guardas vermelhos".
Quarenta anos depois, um dos antigos "pequenos soldados" da Revolução Cultural Chinesa que lutaram em defesa dos planos do presidente Mao Zedong (Mao Tsé Tung) e mudaram o país a ferro e sangue recordou esta trágica década.
Em Maio de 1966, Lu Li'an tinha 20 anos e, como milhões de outros jovens chineses, tinha uma devoção fanática pelo presidente Mao Zedong, que levou o Partido Comunista Chinês ao poder em 1949.
Estudante da universidade de Wuhan (centro), ele se abraçou cegamente a campanha de violência e destruição destinada a combater, de acordo com as orientações superiores do partido, os "representantes da burguesia".
"A nós, os que crescemos principalmente após 1949, eles ensinavam somente a revolução, e como consequência quando líamos os livros da literatura de propaganda, queríamos verdadeiramente estar à frente, na vanguarda da História Revolucionária", disse este sexagenário empresário aposentado que vive em Wuhan, na província central de Hubei. «Tínhamos uma total devoção à Revolução e não possuíamos nenhum espírito critico», acrescentou.
"De facto, tínhamos a impressão de que havíamos nascido no momento errado, tarde demais, porque não tínhamos tido a oportunidade de combater os nossos inimigos (anti-comunistas) ou a possibilidade de nos tornarmos também  heróis revolucionários.
No momento da Revolução Cultural, acreditámos que teríamos a possibilidade de viver esta campanha, finalmente poderíamos lutar pelos nossos sonhos, podíamos ser protagonistas da História e da Revolução".
"Os guardas vermelhos eram como um Exército divino. Éramos os soldados do presidente Mao", acrescenta.
Como no resto do país, estes batalhões de exaltados jovens estudantes foram humilhados, torturados e mortos na província de Hubei. De acordo com Lu, na sua província, 30.000 pessoas foram mortas, entre as quais estavam cidadãos cujo único crime foi a falta de lealdade ao partido. "Nas ruas, houve manifestações e confrontos entre grupos, como pequenas batalhas, foi realmente violento e intenso".
Num primeiro momento, o seu entusiasmo levou-o a procurar armas para os seus companheiros. Entretanto, nunca participou dos combates, preferindo a luta de ideias, escrevendo os «dazibaos» [jornais murais afixados em lugares públicos].
Mas, no fim de um ano, os excessos e as mortes inúteis abriram-lhe os olhos. Ele recorda-se de oito amigos da escola e de um professor que, em resultado das humilhações a que foram sujeitos, se suicidaram.
"Vi um pai que chorava sobre o corpo do seu filho após um combate de rua e perguntei-me: Não era para sermos uma família? Porque nos enfrentamos, e nos matamos, sob a bandeira de Mao?".
Pouco depois de ter lançado uma revista para denunciar os erros dos seus companheiros de armas e do "Grande timoneiro" [Mao Zedong], não demorou a sentir a ira do poder. Lançado no fundo de um calabouço, foi violentamente espancado para que se retratasse. Mas, diante da sua recusa, foi finalmente condenado, dois meses  mais tarde, em Julho de 1968, a uma pena de 11 anos de prisão.
Lu Li'an jurou um dia passar para o papel a sua frustrante experiência. "Um dia, após uma sessão de espancamento muito dura, numa noite muito fria, ajoelhei-me, gritei para o céu e jurei que se tivesse uma oportunidade de recuperar a liberdade e usar uma caneta, contaria a minha experiência", disse.
Libertado em 1978, a sua promessa tornou-se realidade no ano passado com a publicação em Hong Kong do seu livro.
Hoje, Lu Li?an, casado e pai de um filho de 23 anos, afirma não sentir nenhum  arrependimento, mas lamenta-se por não ter tido lucidez: "Sinto-me feliz. Deveria ter sido capaz de ver e perceber a verdadeira natureza da Revolução Cultural".


  
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Edição:

N.º 157
Ano 15, Junho 2006

Autoria:

Benjamin Morgan

AFP
Agence France-Presse
Redacção

Benjamin Morgan

AFP
Agence France-Presse
Redacção

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