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Made in Manhattan*

?Inside Man?, o último filme de Spike Lee, é sobre um segredo. O filme em que Denzel Washington - que colabora com Lee pela quarta vez - faz o papel de um detective da polícia de Nova Iorque às voltas com um assalto a um banco com uma crise de reféns. Com um argumento inteligentíssimo e uma volta final inesperada, ?Inside Man?  rivaliza com filmes do mesmo género, como ?Anderson Tapes? (1971) e ?Dog Day Afternoon?(1975), que Spike Lee fez o seu elenco ver durante os ensaios. O verdadeiro problema, contudo, é um documento que ameaça o director do banco, Christopher Plummer, tido como benemérito. ?Ele está a tentar lavar o sangue das suas mãos mas não consegue? diz Lee. ?Há crimes para os quais não há perdão possível.?
?Inside Man ? mostra outro lado de Spike Lee, muito longe das apaixonadas diatribes como ?Do the Right Thing?(1989) e ?Malcolm X?(1992). Mas Spike Lee afasta a ideia que se possa ?estar a vender?. ?Podem não acreditar - especialmente quem conhece os meus filmes- mas sou uma pessoa relativamente optimista. A maioria dos argumentos que me enviam são absolutamente um nojo, por isso quando vi uma coisa tão bem escrita não resisti... percebi que era realmente especial?
O marketing do filme não deu grande valor ao nome de Spike Lee, mas nota-se a sua marca durante todo o filme. Apesar de se passar quase sempre dentro de um banco, mostra o mesmo sentido da Nova Iorque, uma cidade lutando para se livrar dos seus fantasmas pós 11/ 9, como no elegíaco ?Vigésima Quinta Hora? (2002). ?A ferida ainda está aberta,? diz Lee.
Spike Lee injecta no filme típicos momentos de consciência social. Numa das cenas um Sikh americano que foi feito refém e libertado pelos seus captores,  foi tratado como suspeito pela polícia. ?É um maldito árabe,? grita um polícia nervoso enquanto o homem inocente é estendido no solo e o seu turbante é arrancado à procura de explosivos. ?Fui eu que escrevi essa cena,? disse Lee. ?Se usares um turbante nos aeroportos podes sujeitar-te a situações semelhantes. Mas o interessante em Nova Iorque é que todos somos estrangeiros. Pode-se andar na rua e ouvir cinco línguas diferentes.?
O facto de o realizador se rir só evidencia o longo caminho que percorreu desde ?Do the Right Thing?, a sua obra prima incendiária que  comentadores americanos previam que fosse provocar motins raciais na sua estreia. Mas enquanto ?Do the Right Thing? oferecia um  state-of-the-union dirigido para a raça, ?Inside Man? mostra uma preocupação de classe. ?Não diria que a classe substituiu a raça nos States, mas é igual,? diz Spike Lee. ?O que aconteceu em Nova Orleães com o furacão Katrina mostra a evidência disso. A maior parte das pessoas afectadas eram pobres, quer fossem negras ou brancas? Spike Lee ficou tão zangado com a resposta das autoridades que decidiu fazer ?When the Levee Broke?, um documentário de longa metragem para a HBO. ?Ainda o estamos a filmar. O que torna o projecto difícil é que a história muda todos os dias,? diz.
Spike Lee conseguiu filmar simultaneamente graças a uma capacidade de trabalho notável. Apesar dos elaborados cenários e do grande elenco, ?Inside Man? foi filmado em Nova Iorque em apenas 39 dias. ?Põe-me completamente louco esperar cinco horas para fazer um shot,? diz. ? Não se pode ter boas actuações de actores que têm de esperar seis horas nos seus trailers para fazer uma cena. Com este filme filmamos sempre com duas câmaras, por isso os actores nunca tiveram de esperar.?
A aventura mais comercial de Lee chegou no ano em que Paul Haggis ganhou o Óscar com ?Crash? e trouxe para a ribalta o problema racial. O que pensa Spike Lee disso? Será que os tempos estão a mudar? ?Penso apenas que a Academia não quis dar o prémio de Melhor Filme a um filme sobre dois cowboys gay?, diz.? Ponho mesmo em dúvida que os estúdios aceitassem fazer ?Do the Right Thing? hoje. Um filme sobre racismo feito por um realizador branco é visto de maneira diferente de um filme sobre racismo feito por um realizador negro. Essa é que é essa.?

* As declarações de Spike Lee  estão publicadas na ?Sight & Sound? de Maio de 2006

P.S. ATENÇÃO, este ano em Vila do Conde temos  Hou Siao Sien (em pessoa!) e cinema tailandês


  
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Edição:

N.º 157
Ano 15, Junho 2006

Autoria:

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto
Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto

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