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Escola portuguesa e democracia: Alguns dados para o debate

Nos «Encontros da Primavera», uma iniciativa que as edições ASA têm vindo a promover ano após ano, contribuindo para dinamizar o debate educativo em Portugal, coube-me assumir o papel de advogado de defesa da Escola e do sistema educativo português, no âmbito de um julgamento da educação em função do qual se pretendia avaliar os pontos fortes e os pontos fracos desse sistema, bem como a sua evolução, bloqueios, equívocos e insucessos.
Foi por causa desse papel que tive que me debruçar sobre números e estudos que me permitiram compreender, de forma mais exacta e rigorosa, como as nossas escolas mudaram, depois de 1974, com o advento da democratização da sociedade portuguesa. São números que me impressionaram por aquilo que eles revelam, num tempo onde essas escolas são objecto de depreciação pública, o passado é reinventado de forma descarada e as iniciativas que se propõem para responder às necessidades de transformação do sistema educativo não passam, muitas vezes, de um exercício de má-
-língua que tanto serve para disfarçar a ignorância como para lançar campanhas obscuras.
Na apresentação que fiz, decidi evocar alguns dados que não convém esquecer. Em 1974 não havia uma rede de educação pré-escolar; hoje, apesar de não termos ainda uma rede comparável àquelas que os países da, então, Europa dos Quinze possuem, a taxa de cobertura ronda, em média, a casa dos 77,1 por cento. Em 1974, a percentagem de portugueses que possuíam, no máximo, a antiga «quarta classe» situava-se nos 87,7 por cento, incluindo-se aqui os cerca de 33,6 por cento de analfabetos, enquanto, em 1991, essa taxa tinha decrescido para valores próximos dos 7 por cento, sendo previsível que, hoje, tenha baixado um pouco mais, atingindo, sobretudo, a população mais idosa. Em 1970, só cerca de 12,3 por cento da população portuguesa possuía habilitações superiores ao actual 1º CEB, encontrando-se nesta percentagem os cerca de 1,6 por cento de portugueses que frequentavam os Ensinos Médio e Superior, enquanto em 2003/04 essa percentagem poderia ser convertida do seguinte modo: (i) 86,9 por cento no caso do 2º CEB; 82 por cento no caso do 3º CEB; (iii) 58 por cento no caso do Ensino Secundário e (iv) 27,3 por cento no caso do Ensino Superior.
Outros dados, dizendo respeito à escassez e à pobreza do parque escolar existente, ao estatuto e à situação salarial degradada dos professores ou, ainda, às elevadíssimas taxas de reprovação dos alunos, poderiam ser apresentados, se não fosse mais pertinente, neste momento, ter em conta a visão crítica do advogado de acusação, o Joaquim Machado, que construiu a sua argumentação no facto de a Escola, em Portugal e apesar das transformações positivas que ocorreram, não ter sido capaz de cumprir algumas das suas promessas mais generosas, entre as quais se destacavam quer aquelas que se relacionavam com a promoção da igualdade de oportunidades quer as relativas à promoção do sucesso escolar e educativo dos alunos quer, também, as que tinham a ver com o governo democrático das escolas, condição necessária, ainda que não suficiente, para estas se poderem afirmar, de facto, como ambientes sociais, culturais e pedagógicos também eles democráticos. 
Nos próximos artigos, é sobre estas promessas por cumprir que nós, eu e a Ariana, nos debruçaremos. Fá-lo-emos porque pensamos ser urgente retomar essa reflexão quer para enfrentar equívocos acerca das finalidades da Escola quer para denunciar impasses e obstáculos que se colocam quotidianamente à e nessa Escola quer, finalmente, como um contributo para definir alguns dos caminhos que importa percorrer para que aquelas promessas possam vir a ser concretizadas.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 157
Ano 15, Junho 2006

Autoria:

Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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