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Retórica e vazio no ensino do Português, língua segunda

...decorrente do fenómeno da crescente mobilidade das populações em todo o mundo, a multiculturalidade e a diversidade de línguas maternas têm ganho cada vez maior visibilidade nas escolas e na sociedade portuguesa.

Nas últimas décadas, Portugal tornou-se, tal como outros países da Europa comunitária, um país de imigração. Não obstante, a escola portuguesa mantém-se monolingue.
Em diversas instâncias europeias tem sido reconhecido que as escolas hoje incluem uma grande diversidade linguística e cultural e que essa realidade, ao contrário do que alguns pensam, constitui uma mais valia, tanto para o processo de ensino e de aprendizagem como para o desenvolvimento cultural e económico das comunidades sociais.
Em Portugal é natural que o Português seja a língua usada no processo de escolarização formal, assim como também é natural que essa seja a língua de comunicação e de socialização na vida diária, dentro e fora da escola. Todavia, decorrente do fenómeno da crescente mobilidade das populações em todo o mundo, a multiculturalidade e a diversidade de línguas maternas têm ganho cada vez maior visibilidade nas escolas e na sociedade portuguesa. Estima-se, a partir de dados de um inquérito realizado pelo Departamento de Educação Básica, em 2000, a professores no continente português, que existirão no ensino básico pelo menos ?93 línguas diferentes para 91 minorias discriminadas.? Os resultados desse estudo revelaram ainda a existência de ?agrupamentos escolares onde coexistem 17 línguas maternas diferentes?, para além de um grande número de alunos (5517) que, segundo os respondentes, não têm conhecimentos de Língua Portuguesa para acompanhar um discurso, ainda que simples, ou para se fazerem entender na língua da escola. (DEB; 2000). Hoje, estima-se que a realidade seja ainda mais complexa do que a caracterizada no ano 2000.
Na verdade, os falantes de outras línguas maternas constituem, no conjunto da população escolar, um alargado subgrupo de alunos (90.000 em 2004, segundo fonte da Rede Eurydice-EU, dos quais 74 193 no ensino básico) que, além de aprenderem os conteúdos curriculares em Português, são ainda obrigados a frequentar, com sucesso, a disciplina de Língua Portuguesa, cujas finalidades, objectivos e conteúdos pressupõem competências e conhecimentos normalmente esperados apenas no caso de alunos nativos de Português.
Face à nunca sequer equacionada adopção de uma política educativa bilingue semelhante à implementada em diversos países do mundo ocidental, a comunidade escolar portuguesa espera, todavia, pelo menos há duas décadas, que os sucessivos governos se apercebam de que a ausência de um currículo, consistente e coerente, para o Português como língua segunda (língua aprendida por falantes ouvintes estrangeiros, no contexto do próprio país onde essa língua se fala e onde ela desempenha um papel social e institucional) constitui um atentado ao direito à educação por parte dos alunos imigrantes no sistema educativo português.
A política educativa vigente nesta área prima pelo excesso de slogans, mas, também, e sobretudo, pelo vazio de normas que promovam tomadas de decisão consequente. Para além de referências vagas à necessidade de implementar uma escola inclusiva, plurilingue e pluricultural, o Ministério da Educação mais não fez do que disponibilizar sugestões algo avulsas relativamente aos apoios escolares aos alunos imigrantes e criar um site na página WEB da Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular, cujos conteúdos dos documentos disponibilizados falham no suporte teórico, mas abundam em receitas destinadas a praticas descontextualizadas.
Na verdade, o Ministério da Educação parece esperar que as escolas, e felizmente já algumas o fizeram no âmbito da autonomia que lhes é conferida, tomem consciência dos dramas vividos por todos aqueles que não têm o Português como língua materna, mas que são obrigados, tal com os restantes alunos portugueses e falantes de Português, a frequentar, com sucesso, as disciplinas de Língua Portuguesa, de modo a concluírem os currículos dos ensinos básico e secundário.


  
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Edição:

N.º 157
Ano 15, Junho 2006

Autoria:

Maria Cabral
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais ? FCHS da Universidade do Algarve
Maria Cabral
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais ? FCHS da Universidade do Algarve

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