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"Deixemos o Sexo em Paz"

«Acho que vou compreender melhor as mulheres e o modo como elas sentem as coisas...»

Teatro Sá da Bandeira, Porto. São dez horas da manhã e a sala de espectáculos vai-se enchendo de turmas de alunos dos 2º e 3º ciclos e secundário. A hora é a do início da peça ?Deixemos o Sexo em Paz?, uma adaptação do original do dramaturgo italiano Dario Fo, a cargo da companhia de teatro Maria Paulos. Mas a algazarra entre a assistência não abranda. Há quem ainda procure um lugar para se sentar. Outros, já com lugar marcado, andam em pé por entre as filas a ?fazer amizades?. Um grupo de rapazes animado ?ataca em força? um grupo de raparigas de uma das filas à sua frente. Sucedem-se as apresentações. ?Sérgio, esta é a Cláudia?? Risos. Beijinhos. ?Elas que vos dêem os números dos telemóveis!?, grita um dos jovens, que ficou sentado no grupo dos corajosos. Mas antes dos contactos chegarem a vias de facto, as luzes apagam-se. ?Olha a mãozinha!?, grita uma voz na escuridão entre uma onda de assobios, gritinhos e toques de telemóveis.
?Não se falar de sexualidade é uma forma de transmitir que é algo sobre o qual não se deve falar, o que é errado!? Rosana Santos, psicóloga e coordenadora do Gabinete de Acompanhamento e Aconselhamento Psicológico e Pedagógico, da Casa do Alto, Maia, prefere, no entanto, falar em ?educação para os afectos?. As diferenças? ?Os jovens sentem necessidade de procurar alguém que lhes dê informação credível sobre educação sexual, porque a que circula entre eles é muitas vezes errada?, admite a psicóloga, ?mas os estudos nesta área dizem que mais importante que dar a informação é trabalhar as suas atitudes?, acrescenta. Algo que Rosana Santos ilustra com algumas ideias, como a de ?saber dizer não às pressões?, ?ser assertivo? ou ?ter respeito mútuo?.
Voltando ao Teatro Sá da Bandeira. Na sala já não há luz. No palco, Maria Paulos, a actriz dá início a um monólogo que em vários episódios curtos farão o riso mas também o silêncio da assistência. A actriz tem uma justificação para essa dualidade que a peça tem despertado: ?Sendo uma comédia, o sexo é tratado de forma séria.? Durante mais de uma hora num tom ora solene ora bem humorado são apresentadas várias situações do quotidiano como a dos pais perante o sexo, a menstruação, a virgindade, a primeira experiência sexual, a relação com o outro sexo, a insegurança dos rapazes, a impotência, o orgasmo e o aborto.

Com tabu?

Começando pelo início. No Paraíso estavam Adão e Eva. E as questões do sexo remontam mesmo ao ?pecado original?, ouve-se em voz off. Mas avançando no episódio. Os pais e o sexo. A personagem em palco relata a forma como a mãe a prevenia contra os males da sexualidade. ?Ao rabo chamava ?bombom?, à parte da frente ?passarinha?, quando cresci dizia: tem cuidado filha que os homens só querem uma coisa! Mas nunca me disse que coisa??
Os encarregados de educação. Foi algo que despertou a sua atenção. Ana Reis é professora de Biologia na Escola Secundária da Boa Nova, em Leça da Palmeira. Levou as suas turmas ao teatro para os ?consciencializar?. A surpresa foi o facto de numa das turmas com 29 alunos só 13 estarem a assistir à peça. ?Os encarregados de educação não autorizaram os restantes?, diz, esclarecendo que tal facto não se deveu a dificuldades monetária, ?penso que os pais não estão abertos a estes temas?. Rosana Santos concorda com esta ilação. ?Muitas vezes os pais acham que se não falarem sobre as coisas, elas deixam de existir!? Outro medo dos pais é o pensar que falar de sexualidade com os seus filhos poderá fazer com que estes iniciem mais cedo a sua vida sexual. ?É uma ilusão?, esclarece a psicóloga.
André, 13 anos, estava entre os seus colegas do Colégio Amorim, na Póvoa de Varzim, a falar sobre a peça entre risos contidos. O grupo de rapazes aceita partilhar as opiniões que trocam entre si. ?Achei interessante o modo como a actriz representou e o que disse foi importante porque há pais que têm vergonha de falar com os filhos sobre o que ela falou.? João, 13 anos vai concordando gestualmente com o amigo e intervém: ?A minha mãe já falou comigo sobre sexo uma ou duas vezes.? Já com os amigos, ?falamos muito sobre sexo?, garante com um sorriso malandro. ?E falamos em Português e em Ciências?, acrescenta Luís, 15 anos, como que a querer lembrar ao amigo que o tema não é para brincadeira. Ainda assim, diz Luís, ?não queria ter uma disciplina de educação sexual?. ?Prefiro ouvir o que ouvi numa peça do que ter de ouvir um professor a falar!? A razão parece evidente. Para eles seria mais constrangedor de outra forma. E assim, justifica Luís, ?aprende-se mais?. E conclui com uma aparente contradição: ?Ficou tudo na memória, mas nada em especial.?
Rita Pequeno é professora de Português do grupo de rapazes e directora pedagógica do colégio que frequentam. Gostou da peça, tal como os seus alunos, mas aponta uma lacuna que lamenta não ter sido preenchida. ?Os valores e os sentimentos ficaram um bocado esquecidos?? Maria Paulos, a actriz, discorda totalmente. Opiniões à parte. O que, no entender da professora, não foi abordado na peça será discutido na sala de aula. ?Os miúdos gostaram da actuação, mas se a sociedade está a ser levada para o caminho da falta de afectos e da desvalorização do amor, cabe ao professor trabalhar isso com os alunos!?
?É muito difícil falar em temáticas mais apropriadas para um ciclo ou outro?, diz Rosana Santos quando questionada sobre o que ensinar no âmbito da educação sexual nos diferentes níveis de escolaridade. ?Para os pré-adolescentes do 5º e 6º ano, é mais importante falar de questões genéricas sobre os afectos como o facto de eles poderem aceitar ou rejeitar determinadas situações em que se podem ver envolvidos.? Tendo em conta que é pelos 13, 14 anos que os adolescentes começam a ?despertar para a sexualidade?, a psicóloga reservaria para o 8º e 9º ano a abordagem das questões relacionadas com os métodos contraceptivos e as doenças sexualmente transmissíveis.
Na Escola Básica 2+3 da Senhora da Hora, Matosinhos, são estas mesmas temáticas que estão a ser trabalhadas na área de projecto. ?Estamos a fazer cartazes e exposições em Power Point para divulgar informação entre a comunidade escolar?, aponta Andreia Filipe, professora de Educação Visual e Tecnológica. Os alunos que trouxe a ver a peça têm 12 e 13 anos. ?Todas as idades são apropriadas para se falar sobre sexualidade, desde que os conteúdos estejam adaptados?, desdramatiza Emídio Dias, professor de História na mesma escola.

? e sem ele

?Não concordo que só os professores das áreas das Ciências estejam habilitados para falar sobre educação sexual.? Não é consensual a opinião de Rosa Duarte, professora de Língua Portuguesa no curso de Educação e Formação, destinado a jovens em risco de abandono escolar, da Escola Secundária Fontes Pereira de Melo, Porto. ?Falar sobre sexualidade é também falar de formação e desenvolvimento afectivo dos alunos e enquanto professores, ninguém pode dizer que não está preparado para trabalhar estas áreas.? Rosa Duarte está ?à vontade?, garante. A cargo dos professores de Ciências a vertente biológica, diz insistindo em eleger a componente emocional como a ?mais importante?. Porquê? ?A maioria dos jovens sabe como prevenir as doenças sexualmente transmissíveis e evitar a gravidez, essa informação já lhes chegou, e no entanto, continuam a fazer sexo sem protecção e a engravidar contra a sua vontade.?
Na opinião de Rosana Santos, os professores, a par dos pais, enquanto ?educadores mais presentes na vida dos jovens? seriam as pessoas mais adequadas para falar sobre sexualidade. ?Isto se pais e professores se sentirem à vontade e recorrendo eventualmente ao auxílio de outros profissionais munidos de outro tipo de formação e informação?.
Confessam pouco ter ?aprendido de novo? com o consensual ?bem representado? monólogo. Dois alunos da Escola Secundária da Boa Nova, Leça da Palmeira suprimem a vergonha que contagia todos os seus colegas e não fogem a algumas questões. Ana Raquel, 15 anos, achou ?muito interessante? a informação sobre a sexualidade masculina, sobretudo no que toca aos porquês da ejaculação precoce nos rapazes. ?Não que a peça tivesse alterado a minha maneira de ver o sexo, mas achei uma boa forma de abordar a questão para evitar a timidez?, resume a aluna. Foram também as ?dicas? sobre a sexualidade feminina que mais interessaram Diogo, 18 anos, da mesma escola. ?Acho que vou compreender melhor as mulheres e o modo como elas sentem as coisas.? Enquanto os amigos fogem às questões, Diogo ganha ainda mais coragem. ?Entre os rapazes ainda há muito aquele sentimento do ?somos machos? e acho que não se dá muita importância ao sexo oposto.? A sua visão sobre o sexo ?saiu alterada?. O constrangimento terá impedido muitos outros de confessarem o mesmo. Mas à saída do teatro as conversas entre os grupos tinham um assunto comum. Ninguém conseguiu deixar o sexo em paz. Porque, tal como se lê na sinopse da peça ?a ignorância não aproveita a ninguém?.


Pergunta/ Resposta

Rosana Santos, psicóloga e coordenadora do Gabinete de Acompanhamento e Aconselhamento Psicológico e Pedagógico da Casa do Alto, Maia.

Qual deverá ser a atitude do professor face à abordagem da Educação Sexual?
O professor tem de estar à vontade, disponível para responder e para assumir que não sabe uma resposta. Sobretudo não deve fazer juízos de valor sobre a informação que está a transmitir, deixando claro que a perspectiva pessoal sobre as questões abordadas faz parte da intimidade de cada um, seja do próprio professor, seja do aluno, e não tem de ser revelada aos outros. Se uma miúda pergunta o que é a masturbação, o professor não pode ? como eu já presenciei ? responder ?não faças essa pergunta que isso são porcarias?. Com que imagem aquela aluna ficou da resposta? A de que a masturbação era algo errado e sujo porque lhe foi dito que era uma porcaria. E por muito que a perspectiva desta pessoa em relação à masturbação fosse realmente aquela, devia ter tentado não transmitir essa ideia. Outra pessoa pode discordar e tem esse direito.

Como é que o professor pode lidar com os seus próprios constrangimentos e os dos alunos?
Mesmo falando de forma abstracta sobre sexualidade, ela é do foro tão pessoal que parece sempre uma exposição da nossa intimidade aos outros. Por isso, a grande dificuldade de qualquer adulto é conseguir falar sobre essas questões salvaguardando a sua intimidade. E isso é algo que pode exigir algum treino, caso contrário acaba por não acontecer. Para lidar com os constrangimentos dos alunos a assertividade é fundamental. Risos e piadas são sinais de ansiedade e é preferível ignorá-los, quando é possível.

A idade dos alunos deve condicionar os temas a abordar ou apenas a forma como são abordados?
O nível de desenvolvimento pessoal, mais até que a faixa etária, mas também o nível sócio-cultural do grupo a que nos dirigimos terão de ser sempre tidos em conta quando se trata de escolher a temática a abordar. Mas o fundamental é que a pessoa encarregue de falar sobre sexualidade esteja à vontade com o tema e possa criar uma empatia de modo a deixar que os próprios jovens coloquem as questões que realmente os preocupam. Estando a trabalhar em grupo, corremos sempre o risco de estar a falar de temas que são ou demasiado banais ou demasiado avançados para o nível de desenvolvimento pessoal de cada um dos jovens. Por isso, mais do que ter alguns temas pré-definidos, é essencial tentar ir ao encontro das dúvidas e dos receios dos jovens com quem estamos a trabalhar.


  
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Edição:

N.º 156
Ano 15, Maio 2006

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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