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Luiz Pacheco e as suas Cartas ao Léu

Agora com oitenta anos e feito o necessário balanço às muitas obras publicadas a partir de 1960, o que nos sobra de Luiz Pacheco é ainda o seu claro ?aviso à navegação? no plano da crítica e da intervenção literária que, ao certo, não se sabe se lhe valeu de muito ou se de tudo ficou a lição de ter sido ao longo de tantos anos um ?franco-atirador? das letras ou um ?libertino? que assim mesmo se assumiu em todas as circunstâncias. Mas no que revela de mais circunstancial ou no imediatismo das suas anotações críticas, sociais e literárias, a obra de Luiz Pacheco deve sobretudo ser lida na verdade das suas confissões ou nesse moto tão pessoal de pela ironia revelar o centro fulcral das suas vivências, nos diversos planos que nessa obra se distinguem por entre páginas de sentida e comovida ficção literária  como se observa em ?Textos Locais?, ?Comunidade?, ?O Libertino Passeia por Braga?, ?Literatura Comestível? ou  ?Textos de Guerrilha?.
Na edição recente de Cartas ao Léu, organizada e anotada com rigor por António Cândido Franco, revelam-se cartas e postais que Luiz Pacheco, na sua permanência em Setúbal entre 1990 e 2003. enviou ao seu amigo e livreiro João Carlos Raposo Nunes. Trata-se de vinte e um textos, cartas e postais, onde uma vez mais o autor  de ?Diário Remendado? se confessa, desabafa, critica ou fala de livros. Mas o interesse literário desta edição reside ainda na dimensão literária que António Cândido Franco lhe confere, anotando e pormenorizando aspectos da vida atribulada e difícil de Luiz Pacheco que coloca o leitor no conhecimento exacto do que se fala ou se diz nas cartas e postais desta edição. E uma vez mais se confirma que, mesmo já com oitenta anos, Luiz Pacheco como escritor não foi nunca um daqueles a quem a ?sorte? protegeu, não por não ter direito a isso, mas tão-só por sempre entender a literatura como um ?propositado apagamento pessoal?. A verdade é que  a posição crítica e literária de Luiz Pacheco se consolidou no que nela se regista de uma certa ?maldição? ou ?atrevimento? expressivo, sem se acomodar dentro de padrões que retirem o sentido da sua indesmentível verve discursiva ou amoleçam os propósitos claramente irónicos e críticos das suas páginas. Sempre muito incómoda e exigente, implacável e cáustica nas setas desferidas aos olhos (literários) dos outros, toda a obra do autor de Cartas ao Léu reafirma uma idêntica e firme posição de observador privilegiado da nossa moderna literatura: nada lhe escapa, tudo revive em crónicas, textos e cartas de viva mordacidade, em páginas de crítica azeda ou irreverente, na forma de uma amargurada raiva pela vida de infortúnio tão doridamente experimentada.
Nestas Cartas ao Léu como já anteriormente em Cartas na Mesa, que anotei e fiz publicar em 1996, Luiz Pacheco não pretende erguer  a sua escrita como bandeira e antes como forma de valorizar o que é essencial e profundamente humano. Assim, pela sua incisiva intenção crítica e mordaz, o autor de ?Os Namorados? nos revela quase sempre textos humaníssimos,  que devem ser lidos com a devida atenção. Claro, existem ainda muitas cartas e outros papéis por editar, mas por tudo o que se conhece de Luiz Pacheco, e no arrumar das gavetas que tem sido o propósito dos últimos anos, sabemos e repetimos que a sua obra existe e há-de permanecer como das mais exemplares da moderna literatura portuguesa.  Disso não temos dúvidas.

LUIZ PACHECOCARTAS AO LÉU Organização e Notas de António Cândido Franco Ed. QUAS / Famalicão, 2005.

CAMPO DAS LETRAS publica o seu 1000º. título

Em edição com a habitual qualidade gráfica de Armando Alves e uma leitura crítica de Rosa Maria Martelo, a Editora ?Campo das Letras? acaba de editar O Sentimento dum Ocidental, de Cesário Verde, está, desta forma, a celebrar duas efemérides importantes: a publicação do seu milésimo título em dez anos de plena actividade, com destaque para obras de autores portugueses no domínio da poesia, ensaio, ficção, literatura infantil, biografias, etc. e não deixar sem um registo a passagem dos 150 anos de nascimento de Cesário Verde  em 1855.
Não é excessivo dizer-se que se trata de um dos mais belos poemas cesarianos, estudado e lido sob várias perspectivas críticas  (Joel Serrão, Jorge de Sena, Alexandre Pinheiro Torres, Óscar Lopes, Hélder Macedo ou Eduardo Lourenço, entre muitos outros), mas vale sempre a pena, para o leitor menos atento, penetrar no conhecimento deste tão emblemático e belíssimo poema, para desse modo melhor conhecer a poesia de Cesário Verde ainda tão próxima de nós.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 154
Ano 15, Março 2006

Autoria:

Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.
Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.

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