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O visto de Constantino

Peregrinação de um imigrante e uma jornalista com vontade de ajudar

Há histórias assim. Escreve-se-lhes um fim, mas acabam por ter uma sequela. Tão inesperada que nos obriga a escreve-la.

Mais de um mês depois do desaparecimento de Constantino Shishkovskiy. Recebo uma chamada do Sindicato dos Jornalistas. Alguém telefonara para lá à minha procura. Maria José, a funcionária do sindicato não fornece o contactos de, nem, a ninguém, como é óbvio. Então telefona a por a questão: ?Anda uma assistente social atrás de si por causa de um imigrante ucraniano e deixou um número para que a contactasse...? Tratava-se de Luísa Pires, dos Serviços Sociais do Hospital Geral de Santo António, no Porto, onde Constantino dera entrada a 13 de Dezembro com uma ?pneumonia complicada?. Consequência das noites dormidas em bancos de jardim. Ou, como Constantino parece gostar mais de dizer, um dos males da vida passada entre ?a natureza?.
Meio inconsciente, quase sem respirar, Constantino fora socorrido nas urgências. Estivera internado nos Cuidados Intensivos. Acamado durante um mês. Mas finalmente prestes a ter alta médica. O seu estado clínico apenas a requerer a continuação das sessões de fisioterapia iniciadas devido à perda de força muscular. Algo que dispensará Constantino do internamento. Mas não do hospital.

Luísa Pires, a ?super-mulher?. Sabendo da sua condição de sem-abrigo a assistente social conseguira uma cama para hospedar Constantino num lar. Pelo menos durante o tempo necessário para terminar as sessões de fisioterapia que ainda lhe restam. Da recuperação depende o futuro de Constantino e isso assusta-o. Talvez resida nesse medo a falta de empenhamento que o fisioterapeuta diz sentir da parte dele nos exercícios. É no fim de uma dessas sessões que finalmente encontro Constantino. O seu aspecto é de longe muito mais saudável do que da última vez em que nos vimos. Pijama azul desmaiado bem a condizer com a cor dos seus olhos. Conversamos, enquanto o Mensageiro o empurra numa cadeira de rodas até ao quarto. Constantino explica-se. Mas há pedaços da história que não têm de ser explicados. Fazemos o ponto da situação. Há a possibilidade de emprego numa serralharia. Ficará algures entre o Porto e Vila do Conde. Há um alojamento próximo do local de trabalho. É Luísa Pires, a ?super-mulher?, como carinhosamente a baptizo, que está a tratar de resolver estes dois problemas de Constantino. Diz-me que está apenas a fazer o seu trabalho. Mas nem sempre há gente assim.

A falta que faz um Consulado da Ucrânia no Porto. O Mensageiro deixa Constantino junto à cama. Ele levanta-se da cadeira de rodas e pouco tempo consegue permanecer de pé. Senta-se na cama. O seu internamento no hospital teve danos colaterais. A perda do ?passaporte externo? da Ucrânia, indispensável para obter o visto de permanência em Portugal. A ele se juntam outros documentos: um contrato de trabalho, declarações da Segurança Social, impressos de preenchimento presencial. Inevitável ainda, pelo menos, uma deslocação à Embaixada da Ucrânia em Lisboa. Constantino está preocupado com a eventual reacção do futuro patrão quando ele tiver de pedir um dia de ?folga?. Inquieta-o o facto de não se saber apto ou não para o tipo de trabalho que lhe será pedido. Mas antes das dificuldades que só se adivinham, Constantino teve de fazer algo muito mais difícil. Escrever à esposa sem ter dinheiro para lhe enviar, engolindo a vergonha acumulada em anos sem contacto. É que ter um novo ?passaporte externo? implica apresentar alguns documentos originais que só os familiares lhe poderão enviar: o ?passaporte interno? da Ucrânia e a certidão de nascimento. A carta estava escrita há uma semana quando seguiu pelo correio. Três dias de viagem. E uma mulher receberá do seu marido as explicações possíveis.


  
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Edição:

N.º 153
Ano 15, Fevereiro 2006

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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