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Resgatar a memória do futuro da escola

A museologia da educação, uma área que compreende o estudo, salvaguarda e difusão de bens patrimoniais de interesse histórico-educativo, tem vindo a conhecer um crescente interesse por parte dos investigadores. Divulgada internacionalmente, só em tempos mais recentes tem merecido a atenção dos investigadores ibéricos. Porém, se em Espanha o interesse passou da teoria à prática, em Portugal, apesar das iniciativas desenvolvidas por uns poucos de estudiosos, faltam ainda estruturas e apoio institucional que permitam consolidá-la e divulgá-la junto do grande público.

Em 2001, investigadores de Portugal e Espanha deram os primeiros passos para a constituição de uma Rede Ibérica de Museologia Pedagógica, através da realização do I Fórum Ibérico de Museologia Pedagógica, organizado pela comissão instaladora do Museu Pedagógico da Galiza (MUPEGA) ? que viria a ser inaugurado três anos mais tarde, em Outubro de 2004.
Nesse encontro, foram criadas as bases para o intercâmbio regular de conhecimentos, práticas de investigação e experiências no âmbito temático da museologia educativa, do património escolar e da infância. Foi também nesse ano que se constituiu, em Portugal, a Rede de Investigadores em História e Museologia da Infância e Educação (RIHMIE), dinamizada, em grande medida, pela professora e investigadora da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, Margarida Louro Felgueiras. Em 2003, formalizava-se a instituição da Sociedade Espanhola para o Estudo do Património Histórico-Educativo.
Cinco anos depois do primeiro encontro, o cenário dos dois lados da fronteira é substancialmente diferente: ?os galegos tiveram o apoio do secretário regional de educação, nomearam um director científico para a criação do museu, foi criada uma lei orgânica que regulamenta a sua actividade e o poder político disponibilizou os meios financeiros e materiais para a sua concretização?, explica Margarida Louro Felgueiras.
Em Portugal o processo está emperrado. Apesar de reconhecer que as instituições universitárias espanholas são em muito maior número e possuem, por isso, uma maior massa crítica e recursos financeiros que lhes permitem concretizar rapidamente os seus projectos, Margarida Louro Felgueiras assegura que ?por cá ainda não conseguimos sequer mobilizar a classe política para este projecto. Mesmo a nível científico somos ainda poucos?.
Prova disto é o facto de ter estado agendada a realização do II Fórum Ibérico no nosso país, há dois anos, adiado por questões conjunturais relacionadas com o atraso na recolocação de professores, a quem se dirigia, mas também debatendo-se com falta de apoios institucionais e por se verificar, ainda, uma escassa produção científica nesta área. E ?nem sempre é fácil?, desabafa, mobilizar pessoas para um trabalho moroso, como é o da investigação, sem ter recursos. Apesar das contrariedades, garante que a sua realização poderá ocorrer no princípio do próximo ano.
?Em Portugal o cenário não é animador. Apesar de existirem projectos e iniciativa, não vejo que seja possível, a curto prazo, ultrapassar as dificuldades. E hoje estamos mais longe do que há sete ou oito anos. Há um desalento generalizado e a ideia de que não vale a pena lutarmos por bens comuns?, diz Margarida Felgueiras, salientando a importância de os professores, em termos práticos, poderem contribuir para a inversão deste cenário.
?É preciso que os professores encarem a salvaguarda do património escolar, tanto em termos materiais como documentais, como uma herança a preservar. Quanto mais não seja porque ele pode representar um trabalho interessante do ponto de vista pedagógico?. Afinal, sublinha, ?visitar o passado pode ser uma boa forma de inventar o futuro?.
A investigadora cita alguns exemplos: o de Válega, no concelho de Ovar, onde existe um pequeno museu, iniciativa de dois professores locais; ou em Marrazes, no concelho de Leiria, cuja junta de freguesia, alentada pelo trabalho de outros dois professores, transformou umas dependências da junta de freguesia em local de exposição, existindo mesmo um projecto para a construção de um museu; ou ainda na Escola Superior de Educação de Santarém, onde, por iniciativa do professor Luís Vidigal (presidente da RIHMIE), se têm realizado exposições temáticas e divulgado a recolha oral sobre os jogos e as práticas lúdicas da infância além de encontros e publicações; em Murça, Trás-os-Montes, existe também uma exposição temática, que ambiciona transformar-se em núcleo museológico. Tudo isto acontece em pequenas localidades e a partir da iniciativa pontual de professores locais.
Em Espanha esta prática está muito divulgada, sobretudo nas pequenas localidades onde a memória da escola, mesmo quando fechada, subsiste como uma herança significativa da comunidade local. O exemplo da Galiza é elucidativo. Aqui há lugar para vários pequenos núcleos, transformados em centros de interpretação e de recriação da herança escolar local, ligados a uma estrutura museológica principal, com a qual trabalham em rede.
Vicente Peña Saavedra, professor de História da Educação da Universidade de Santiago de Compostela e coordenador científico do MUPEGA confirma esta opinião e afirma que a museologia da educação vive em Espanha um ?momento prometedor? (ver entrevista na página ?).

História de um museu que nunca chegou a sê-lo

Em 1993, Margarida Felgueiras iniciou um estudo sobre o Instituto do Professorado Primário que, alguns anos mais tarde, viria a tornar-se a sua tese de doutoramento. Ao longo da sua investigação, por circunstâncias várias, teve de assegurar a guarda do espólio do referido Instituto -  mobiliário e documental com interesse histórico, conseguindo congregar os esforços da então Inspecção Regional de Educação, da Direcção Regional de Educação do Norte e da Câmara Municipal do Porto, no sentido de assegurar a sua salvaguarda.
Quatro anos mais tarde iniciou a elaboração de um projecto para a criação do Museu Vivo da Escola Primária, em parceria com o Pelouro da Educação da Câmara Municipal do Porto, objectivo final do conjunto patrimonial que havia sido guardado e outro, entretanto recolhido.
O projecto foi objecto de financiamento público e nele trabalharam, de 1997 a 2001, uma equipa multidisciplinar de investigadores ? cujo coordenador científico era Rogério Fernandes, da Universidade da Lisboa - que, em conjunto, procederam à definição da filosofia que deveria reger o novo museu; a um inventário detalhado do património escolar em todo o concelho do Porto; ao acompanhamento e discussão com os arquitectos da elaboração do projecto de reabilitação arquitectónica de um edifício escolar para a constituição de um núcleo museológico.
A ideia era criar um museu sectorial da educação - escola primária, aberto ao público em geral, mas particularmente vocacionado para a infância, a juventude e a terceira idade, com o apoio da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto.
Na altura, foi assinado um acordo de parceria entre a Câmara Municipal do Porto e a UP, segundo o qual a autarquia cederia o espaço e daria  apoio logístico ao desenvolvimento do projecto. O Museu ficaria situado no edifício  do primeiro jardim-de-infância público, criado na cidade do Porto, construído no início do século XX e classificado como Edifício de Interesse Municipal, localizado na Foz Velha. Algum tempo mais tarde, quando estava em elaboração o caderno de encargos obrigatório para concurso público, as eleições autárquicas levaram o executivo social-democrata ao poder.
Os responsáveis pelo pelouro da educação e da cultura do novo executivo declinaram então o interesse no projecto, afirmando o primeiro que ?não via qualquer interesse na criação do museu, não estava nas suas prioridades, nem a longo prazo?, enquanto o segundo afirmava não dispor de verbas para a sua concretização, explica Margarida Louro Felgueiras.
No final, lamenta os vinte mil contos gastos, que o projecto obtivera de financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia, além do dinheiro que o executivo pagou pelo projecto de arquitectura que não executou e, sobretudo, ?cinco anos de trabalho de uma equipa que não deram em nada?.
O edifício foi entretanto atribuído à Junta de Freguesia da Foz do Douro e o espólio está agora fechado numa sala da escola básica de 1º ciclo nº3, na Praça da Alegria, à espera de melhores dias.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 153
Ano 15, Fevereiro 2006

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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