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Amizade (1)

Para Lili Bell, nossa amada amiga de mais de 40 anos, e para Stephen Stoer, amigo durante 18 anos, levados na viragem do ano para outra História.

Amizade, sentimento entendido melhor pelas crianças que pelos adultos. Historicamente, foi usado pelos liberais do Século XVIII. Hoje em dia, há dois significados: ganhar distância ao falar com um desconhecido; ou agir até a exaustão para quem queremos. Amizade e parentesco, conceitos ou emotividades que podem andar muito perto. Ou, sentimento que faz alguém sentir-se parte da família. Uma unidade de dois ou mais, para o auxilio, a colaboração e o apoio. Com mudanças. Como fazem as crianças: o sentimento mais profundo dos mais novos, é mutável com a vizinhança, a intimidade dos pais ou familiares, pelo interesse que possa ter nos assuntos dos outros. A amizade é um sentimento variável quando não há interesse na pessoa, mas sim nas qualidades ou nas posses dessa pessoa. O amigo, é o ser humano que tudo entrega, até o sacrifício de bem-estar pessoal, para a felicidade do outro, reside na intimidade, não trai, guarda as confidências e acompanha sempre. Adultos e crianças agem da mesma maneira tendo em conta o bem do outro, que entrou na sua vida sem nada pedir, sem nada procurar, ainda menos, exigir. A confiança ou lealdade, caracteriza o sentimento da amizade. Amigo, no dizer de Petronius, no ano 66 antes da nossa era, no seu texto latino O Satiricon (Net), árbitro das nossas ideias, sentimentos e opções. Coloca-se, por sentimento de lealdade, esse amigo de fora a observar com respeito e amor, pode não se envolver na intimidade. Diz Petronius: o amigo não adula: acompanha; o amigo não é irónico: aconselha; o amigo é profundamente cumpridor da sua palavra, do seu compromisso com a pessoa definida dentro do processo de Amizade. O amigo não mente, não engana, não deita fora: vê, ouve e cala e apenas diz, se for perguntado. Milhares de textos, poemas e ideias têm sido ditas sobre o sentimento de que falamos. Nem todos podem ser pensados dentro deste pequeno texto. Mas, o mais importante da Amizade, é nunca magoar a pessoa que acompanha a nossa vida ou actividades. Criança, o que podemos dizer-te sobre estes dois amigos que partiram na mudança de 2005 para 2006, de forma a poderes entender? Sabes, Porque, às vezes, Amizade implica zanga, mágoa, autoridade, desprezo. Será? Na intimidade do sentimento, o amigo pode bater e falar mal do outro? Será que tu fazes isso para repetir comportamentos de adultos? Não esqueças: o amigo beneficia, em silêncio, ao outro, quando acompanha nos momentos mais pesados da vida. Como diz Roland Barthes em 1977, Seuil, Paris: a amizade tem contingências, incidentes, inquietações, futilidades, hábitos de existência apaixonada.... Ideia não entendida pelo Steven e por mim. Falámos imenso. Ensinámos muito, também em companhia de Maria Luiza Cortesão. A sua família foi também a minha. Um dia disse-me: ? E se fizéssemos uma Revista de Educação?? Andámos 5 meses à procura de Editor e de Estatutos. Quando já éramos um número significativo de cientistas, organizámos a Associação de Antropologia e Sociologia de Educação. A Revista continuou, porém, eu já não fazia parte do grupo. Nunca mais vi ao Steven.
Lili Bell, esta segunda mãe das minhas filhas, estava na Grã-bretanha, no dia em que partiu. As minhas filhas e a minha mulher, nada disseram, mas prepararam os devidos rituais, bem com um cravo vermelho a explicitar a minha ausência por causa de doença. Steven também teve o seu cravo vermelho, a simbolizar a colaboração mútua com ele e a sua equipa.
Amizade. Esse sentimento romântico de que falo no começo do texto. Ela existe quando há lealdade, carinho, os senão são entendidos, a arrogância e a hierarquia que manda e não entende é afastada. A Amizade acolhe, não lança mentiras sobre factos, não tira proveito dos que querem acompanhar e colaborar. O melhor exemplo é o da minha mulher que tomou conta da sua amiga até ao derradeiro segundo da sua vida.
Gabriela Mistral, Chilena, Prémio Nobel de Literatura em 1945, que habitou em Lisboa, diz: ?Piececitos de niño, azulosos de frío, ¡cómo os ven y no os cubren, Dios mío!? É o que temos tentado fazer todos nós. Com maior ou menos sucesso e vários desentendimentos, mas sempre corrigidos à Barthes...

Dia do meu Aniversário, Janeiro 2006.

1) Português e ideias debatidas com Ana Paula Vieira da Silva.


  
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Edição:

N.º 153
Ano 15, Fevereiro 2006

Autoria:

Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa
Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa

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