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«Para avançar, o melhor é parar»

Em Novembro passado, o Instituto Piaget de Arcozelo/Vila Nova de Gaia, realizou um evento internacional em Educação Especial, intitulado ?Caminhos para a Inclusão?. Foram dois dias intensos de reflexão que fizeram parar e pensar, substancialmente, sobre os princípios da inclusão, a realidade da educação e as práticas impulsionadoras de uma escola mais inclusiva. O que pretendo, neste artigo, é trazer algumas das reflexões suscitadas durante aquele evento, chamando a atenção, principalmente, para os momentos de parar e de pensar ? stop and think, como nos dizia Mel Ainscow, numa de suas prelecções.
Sempre preocupados com a quantidade de coisas que nos são exigidas e que têm que ser feitas diariamente, normalmente encadeamos uma acção na outra, uma decisão na outra, um fazer no outro, sem nos darmos conta de que, se quisermos mesmo avançar para uma educação de qualidade, para todos os alunos, o melhor é parar. São os momentos de pausa que nos podem ajudar a criar espaços para um repensar sobre a prática da escola, interrompendo os discursos existentes e focalizando a atenção em possibilidades que, até então, ignorávamos ou desconhecíamos.
Para isso, porém, é preciso deixar claro que o foco da atenção deve estar voltado para a melhoria da Escola ? ela é que está no centro da mudança rumo à inclusão. Isto retira do professor, do aluno, da direcção o peso da ?culpa? exclusiva pelos eventuais insucessos ou a responsabilização solitária pelos êxitos e fracassos observados. A partir daí, fica mais fácil encontrar uma linguagem comum entre os envolvidos, de tal forma que eles possam falar, detalhada e abertamente, sobre as suas práticas. Nas palavras do próprio Mel Ainscow, a escola precisa de se transformar numa ?comunidade de prática: um grupo social comprometido com o desenvolvimento sustentável de um projecto compartilhado?.
Providenciado o ?parar?, é hora de ?pensar?. Mas? como estimular o pensar?
Uma estratégia possível, e que foi amplamente debatida no citado Congresso, é a possibilidade de observação conjunta da prática de sala de aula, conducente a uma discussão estruturada sobre o que ocorreu. Para isso, pode ser usada a gravação em vídeo de aulas ou práticas de ensino de um dos colegas que, para isso, se voluntarie.
No Congresso, os relatos de experiências com esta estratégia demonstraram que, geralmente, há uma surpresa por parte do professor cuja prática está a ser discutida ou visionada. E não são, como se podia suspeitar, apenas surpresas desagradáveis. Muitas vezes os professores desenvolvem práticas verdadeiramente inclusivas, efectivas e adequadas, mas não se dão conta do bem que gerem a aprendizagem dos seus alunos. Outras vezes acontece o contrário, como o caso de professores que faziam um auto-julgamento positivo e, quando confrontados com o visionamento de uma filmagem de suas aulas, identificaram uma série de lacunas que deveriam ser preenchidas ou atitudes que deveriam ser modificadas em suas acções educativas.
Há, ainda, o caso de professores entusiasmados que se procuram rodear de outros professores também entusiasmados; estes grupos, acreditando fazer bem o que quer que seja, reforçam-se uns aos outros e gastam uma grande energia em projectos, reuniões e decisões que, na verdade, podem contribuir para manter tudo como está. Só quando confrontados com situações como a auto-observação ou a análise crítica por parte de todos os colegas (e não apenas dos colegas do seu grupo) é que notam que suas práticas eram pseudo-inclusivas ou, por vezes, até, excludentes. O problema aqui não está no entusiasmo (muito pelo contrário ? viva o bom-humor, a crença na auto-eficácia, a auto-estima elevada e tudo o que esteja ligado positivamente a estes aspectos); a questão está na manutenção do status-quo que ocorre independentemente da disposição ou da motivação do professor.
Embora estas estratégias pareçam não trazer nada de novo, a verdade é que nós, professores, estamos dentre os profissionais que menos observam, presenciam, visionam a prática dos colegas. Fechamo-nos nas nossas salas e tudo o que fazemos diante dos nossos alunos fica guardado a sete chaves. É habitual que um médico assista uma cirurgia feita por outro; que um arquitecto visite a construção idealizada por outro, mas o professor só recebe a visita, eventualmente, de um estagiário ou de um professor ainda em formação. Não é costume ter em sua aula a presença de um colega, de um membro da coordenação ou direcção da escola, a não ser em iniciativas isoladas, com objectivos muito bem especificados. Entrar na classe de um colega para assistir a sua aula é, no mínimo, intrusão (para não dizer ?falta de ética?). Comentar a prática do outro, então, nem pensar.
Parar e pensar, crítica e colectivamente, põe-nos diante do risco de termos que desvelar os segredos mais recônditos das nossas práticas. Com isso, alguns professores podem estar condenados a descobrir que, afinal, são muito mais eficazes e inclusivos do que antes imaginavam.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 153
Ano 15, Fevereiro 2006

Autoria:

Luzia Lima-Rodrigues
Centro Unisal, Brasil. Instituto Piaget, Portugal
Luzia Lima-Rodrigues
Centro Unisal, Brasil. Instituto Piaget, Portugal

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