Página  >  Edições  >  N.º 153  >  Congresso do Desporto

Congresso do Desporto

...Estamos convictos de que o Governo mais não faz do que ganhar tempo num sistema a caminho do desastre total. Contudo, como a alma não é pequena, à semelhança de muitos outros portugueses, damos-lhe o benefício até porque recusamos o tradicional cepticismo que está a enxovalhar o país.

O Congresso do Desporto assumido como um dos compromissos do XVII Governo Constitucional foi apresentado com pompa e circunstância no passado dia 12 de Dezembro na Exponor. Decorrerá por todo o país até 17 de Fevereiro, data em que, segundo rezam os editais, se realizará a sessão final onde serão apresentadas as grandes conclusões que hão-de organizar o desporto durante os próximos anos. É obra!
Por agora, o que já se sabe é que, ignorando completamente a nomenklatura que olimpicamente se banqueteia em Lisboa e que, de há demasiados anos a esta parte, se perpetua e multiplica nos mais diversos postos do Sistema Desportivo, o Governo espera com o Congresso encontrar junto do autêntico Movimento Desportivo que acontece por milhares de clubes por esse país fora, as verdadeiras razões do desporto nacional. Ficam-lhe bem estes sentimentos, todavia, até prova em contrário, estamos convictos de que o Governo mais não faz do que ganhar tempo num sistema a caminho do desastre total. Contudo, como a alma não é pequena, à semelhança de muitos outros portugueses, damos-lhe o benefício até porque recusamos o tradicional cepticismo que está a enxovalhar o país. Ainda somos daqueles que pensam que Portugal também tem direito, mesmo no desporto, a ter dirigentes, honestos, arejados e competentes.
Claro que não gostamos do paternalismo do Governo que ignora pura e simplesmente os dignitários da cúpula do nosso Movimento Desportivo, muito embora sejam poucos aqueles que merecem algum respeito. De facto, temos de reconhecer que no estado desastroso de falta de pudor em que o desporto se encontra não existe outra maneira de ultrapassar a olímpica miséria e vil tristeza do desporto nacional. Enquanto que na base do Sistema Desportivo o desporto acontece com a maior das dificuldades, no vértice da pirâmide uns senhores dirigentes desportivos passeiam-se à tripa forra por esse mundo fora, e, agora, neste tempo de enorme crise nacional, até embolsam olímpicos vencimentos à conta do dinheiro dos contribuintes.
Já não estamos num tempo em que se pode aceitar trocar os princípios éticos do jogo do desenvolvimento pelos princípios da eficiência da autoridade, estejamos perante o Estado central ou perante o olímpico poder corporativo que, em múltiplas circunstâncias, acaba por, à candonga, ultrapassar o próprio Estado. A questão do Congresso do Desporto devia ter sido encarada ad-início como uma questão ética enquanto reflexão sobre a moral do jogo do desenvolvimento do desporto, na medida em que o país não está disposto a trocar os princípios éticos pelos princípios da autoridade porque esta, como tivemos a oportunidade de constatar durante 48 anos, não joga, impõe-se. De facto, os sistemas absolutos não jogam, induzem e deduzem; o dogmatismo não joga, determina e acredita; e o cepticismo não joga, castra e silencia. Nestas circunstâncias, o Congresso do Desporto corre o risco de acabar por não vir a passar dum jogo que, infelizmente, estava desde o início viciado por uma gestão de conveniências a todos os títulos reprovável.
Assim, a primeira grande conclusão que se pode, desde já, tirar do Congresso do Desporto é que o Governo, e quanto a nós bem, não tem confiança nos dirigentes de cúpula do desporto nacional, como muito provavelmente os dirigentes da cúpula do Movimento Desportivo, e quanto a nós bem, não têm confiança no Governo. Deste modo, a regeneração do desporto nacional passa pela renovação do dirigismo desportivo da cúpula do Movimento Desportivo que está há demasiados anos agarrado ao poder, tal como passa pela reabilitação dos dirigentes políticos deste País que aceitam gerir um sector na mais profunda ignorância, como, respectivamente Paulo Frischknecht, presidente da Federação Portuguesa de Natação e Pedro Sarmento, presidente da Associação Portuguesa de Gestão do Desporto, tiveram a oportunidade de explicar ao Congresso.
O desporto necessita de líderes capazes de, com um alto sentido de missão e de serviço público, prospectivar uma verdadeira política desportiva que deve ser idealizada tendo em atenção, por um lado, a relação massa /  elite no que diz respeito à estruturação das práticas desportivas e, por outro, a dinâmica entre o Estado e a Sociedade Civil, quanto à liderança e coordenação do Sistema Desportivo, tendo em atenção as profundas assimetrias sociais que caracterizam um país, em que o fosso entre a população mais rica e a população mais pobre se está a agravar. Tudo o mais vem por acréscimo. Perguntar por ingenuidade ou demagogia, às massas ou à nomenklatura, como se pretende com o actual Congresso do Desporto, qual é a política desportiva a seguir, a resposta será sempre: ?Queremos mais dinheiro?. As massas di-lo-ão por necessidade, as nomenklaturas por ganância.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 153
Ano 15, Fevereiro 2006

Autoria:

Gustavo Pires
Professor na Univ. Técnica de Lisboa
Gustavo Pires
Professor na Univ. Técnica de Lisboa

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo