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De "castigo" na sala com os professores

HORÁRIO PARA CUMPRIR

O ano lectivo de 2005/06 começou envolto em polémica. A razão: o Despacho nº 17387/2005 de 12 de Agosto onde se estabeleciam novas regras na organização do horário semanal do pessoal docente e se instituía a obrigatoriedade de ocupação plena dos alunos do Ensino Básico em actividades educativas. Trinta e cinco horas semanais de trabalho lectivo e não lectivo para educadores e professores. Actividades  de substituição para colmatar os ?furos? aos alunos do 2º e 3º ciclos. Desde logo a medida agradou às Associações de Pais. Aos encarregados de educação menos associados não pareceu má ideia ?ter quem olhasse pelos miúdos? sempre que um professor faltasse. Os professores sentiram-se ?tratados como se fossem uns malandros?. E os alunos ficaram ?podres?.

Toca. Mas a sala está quase vazia de professores. A razão: os pais pediram que as aulas fossem concentradas no turno da manhã. Apressada, uma funcionária abre a porta disparada. Trás um papel na mão. Fita uma professora que se ocupa na leitura de alguns papéis. ?Estão a chamá-la no Conselho Executivo!? A professora dá um salto da cadeira. ?Até me assustou, pensei que me viesse buscar para uma aula de substituição!?
É uma escola Básica 2+3, do Porto, cujo nome nos pedem para não citar. ?Politica da escola?, justifica um assessor do Conselho Executivo que pede anonimato. ?Não gostamos de aparecer, seja por bons ou maus motivos.? Fale-se então da questão que nos levou à escola: as novas regras na organização do horário semanal dos docentes e as aulas de substituição. ?Actividade de substituição?, corrige o interlocutor. ?Não gosto de falar em aula porque apesar do professor poder marcar uma falta a um aluno ausente, esta não conta para fins de reprovação?, esclarece. Na prática, um aluno pode faltar à ?actividade de substituição?. Será que os alunos sabem? ?Isso foi dito aos encarregados de educação!?, adianta a mesma fonte.
A confusão que as aulas de substituição têm causado nas escolas vai além da questão da nomenclatura. De acordo com as ?Orientações para a Organização do Ano Lectivo 2005/06? do Ministério da Educação, pode ler-se que a ocupação plena dos tempos escolares tem por objectivos: garantir que o tempo que os alunos passam na escola seja de aprendizagem e melhorar as condições dessa mesma aprendizagem.          Assim, lê-se no documento que ?em caso de falta de alguma actividade lectiva prevista, a escola disponibiliza imediatamente uma resposta para os seus alunos organizando outras actividades educativas?. As aulas de substituição surgem apenas como um exemplo entre um conjunto de várias respostas possíveis: actividades em salas de estudo ou de utilização das tecnologias de informação e comunicação, actividades desportivas ou de leitura orientadas, pesquisa bibliográfica, clubes temáticos e actividades oficinais, musicais e teatrais. 
 ?O professor faz a actividade que quiser? ? confirma o assessor do Conselho Executivo ? e acrescenta: ?Desde que os recursos estejam disponíveis.? Mas, como na escola as aulas estão concentradas no turno da manhã, ?a falta de recursos físicos impõe que a actividade de substituição seja, na maior parte das vezes, realizada na própria sala de aula.?

Professores sob pressão

O facto de um professor destacado para a substituição poder ter de dar uma aula a alunos de um ciclo diferente do que ensina é um dos factores apontados como causador de maior desconforto entre os docentes.
?Fico muito nervosa quando tenho de dar aulas de substituição?, desabafa Helena Barreiro, professora do 2º ciclo na Escola Básica 2+3 da Areosa. Para tal contribui a falta de autoridade que o professor de substituição tem perante alunos que não são os seus.
Para Adriano Teixeira de Sousa, do Sindicato dos Professores do Norte, a redução da componente lectiva com base no artigo 79º do Estatuto da Carreira Docente ?é o reconhecimento do desgaste da profissão?. É aí que encontra a justificação para criticar o facto de essas horas estarem a ser reservadas para as aulas de substituição. ?Isto causa um desgaste muito maior ao professor do que teria se essas horas estivessem integradas na componente lectiva?, observa o sindicalista.
Com 31 anos de serviço, Guiomar Seca é professora do 3º ciclo. O seu optimismo em relação às aulas de substituição contrasta com o pessimismo dos colegas. ?Há uns dias tive uma experiência muito boa com uma turma do 3º ciclo? recorda a professora. Levou para a aula de substituição um artigo sobre tráfico de crianças que suscitou uma ?boa discussão?. Quando olhou para o relógio, Guiomar Seca tinha ultrapassado os 45 minutos da sua substituição, e tinha já 35 minutos dados do tempo lectivo seguinte. ?Quando os alunos viram que eu ia embora alguém perguntou: Oh professora já vai?? Foi essa frase que pôs a professora tão bem disposta: ?Senti-me muito bem!? Pior, comenta Guiomar Seca, é dar aulas de substituição a alunos do 2º ciclo. ?Acho-os pouco disciplinados e não me agrada muito a ideia de ter de os estar sempre a chamar a atenção.?
Jorge Costa, professor do 3º ciclo, com 28 anos de serviço, não partilha o entusiasmo da colega. ?Qualquer aula de substituição por mais simpática que a turma seja é sempre mais pesada que uma aula normal!?, refere, enumerando alguns dos entraves ao bom funcionamento da substituição: ?Os alunos não estão predispostos para a actividade, não os conheço pelo nome...?
Alem disso, brinca o professor, há um lado mais ?romântico? da questão dos ?furos?. ?Muitos beijos vão ficar por dar por falta de feriados!? Mas quem disse que o ?namoro? não pode ir para a sala de aulas?

Rentabilizar espaços

Já tiveram várias aulas de substituição. Daniela Ferreira e Joana Fernandes, 13 anos, frequentam o 8º ano na Escola Secundária com 3º ciclo Fontes Pereira de Melo. 
Do que fizeram nessas aulas Daniela recorda apenas um assunto: ?Estivemos a falar de namorados e da nossa vida pessoal!? Risinhos. ?Não me importo de ter aulas de substituição desde que seja de algo do meu interesse!?, esclarece Joana. Alguma coisa que não apenas conversar sobre afectividades. ?Podíamos jogar voleibol, ir para a sala de informática, estar em clubes de ciências... de línguas é que não!?
Joana talvez não saiba mas a sua vontade encontra expressão na intenção do presidente do Conselho Executivo (CE) da escola onde estuda. ?O objectivo desta escola é reduzir ao mínimo a necessidade de dar aos alunos uma aula de substituição clássica!? Conseguir essa tarefa passa pela oferta de vários tipos de actividades e clubes adianta José Manuel Teixeira. 
A escola tem recursos físicos que outras não terão, reconhece o presidente. Por isso, o CE conseguiu organizar os espaços e os professores de modo a haver um ?aproveitamento máximo dos recursos?. Um exemplo dessa rentabilização passa pelo desdobramento de finalidade dos espaços. Os ?laboratórios? das diferentes especialidades cuja finalidade era a de serem requisitados pelo professor para a realização de aulas, passaram também a servir como espaços onde se desenvolvem actividades durante o período da aula de substituição. Para isso, na totalidade dos clubes estão envolvidos 30 professores que não os substitutos. Isso permite uma distribuição dos alunos de uma turma por várias actividades mediante os recursos disponíveis nesse tempo lectivo.
Já aos professores destacados a cada tempo lectivo para as substituições, foi assegurado um espaço ?com condições de trabalho?, ao invés da habitual sala dos professores. E para melhorar a gestão dos professores escolhidos, foi criada a figura do ?responsável de substituições?. Um professor que de entre os que estão destacados para a substituição, nesse tempo lectivo, recebe a informação do funcionário sobre o número de faltas a cobrir e tem autonomia conferida pelo CE para distribuir os colegas pelas turmas.
Com isto, sublinha José Manuel Teixeira, ?quisemos [CE] proporcionar o melhor aos alunos ? aumentando o número de actividades de modo a que a sala de estudo? e as aulas de substituição no sentido clássico sejam os últimos recursos ? e aliviar a pressão [das novas regras] sobre os professores.?
É sob pressão que responde Rita Barbosa, 13 anos, 8º ano, uma das alunas a quem se destinam as ofertas educativas de que temos vindo a falar. Sem feriados há que aproveitar bem os intervalos. Sobre as aulas de substituição diz o que pensa com prontidão: ?Nem os professores gostam e nós havíamos de gostar?? Rita ainda não percebeu qual a utilidade da novidade do ano. ?É só por dizer que estamos dentro de uma sala e não andamos cá fora?, diz com a mesma atitude. ?Mas pode perguntar a toda a gente, ninguém lhe vai dizer que gosta!? A generalização, contudo, não englobou a opinião dos pais.

Combater os ?tempos mortos?

 ?É evidente que os encarregados de educação apreciam a eliminação dos ?furos? enquanto ?tempos mortos?, sobretudo em escolas onde o absentismo é grande!? A constatação é de Eduardo Ribeiro, presidente da Associação de Pais da Escola Secundária e de 3º ciclo Fontes Pereira de Melo.
O facto de ser uma medida ?positiva?, não descarta a necessidade de ?ter de ser acompanhada?, diz. ?Percebe-se que está a haver alguma pressão para que as coisas funcionem já, mas penso que só daqui por um ano isso acontecerá!? Sendo que, admite o encarregado de educação, a medida não terá a mesma aceitação ?se simplesmente tirar os alunos do recreio para os pôr numa sala?.
Opinião contrária tem Margarida Miranda, mãe de um aluno do 5º ano da Escola Básica 2+3 da Areosa. ?Qualquer coisa é melhor do que ter os nosso filhos por aí a fazerem asneiras!? Ainda que o miúdo tivesse ficado ?frustrado? quando viu que não iria beneficiar dos tão animados ?feriados? - essa novidade para quem passa do 1º para o 2º ciclo -  de que a irmã mais velha tanto falava em casa. ?Mas agora ele até está a gostar das aulas de substituição, diz que os professores fazem jogos e actividades engraçadas!?, acrescenta a mãe.
Eduardo Ribeiro, também professor mas do ensino Superior reconhece que o sucesso desta medida passa também por ?mostrar aos alunos que nas aulas de substituição podem desenvolver actividades que lhes interessem!? Da parte dos docentes, continua, ?é preciso que entendam que ninguém espera que dêem uma aula rígida!? Ainda que ?nesses espaços tenha de haver sempre alguma actividade pedagógica produtiva?, acrescenta.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 150
Ano 14, Novembro 2005

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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