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Boas férias!

Quando muitos leitores receberem esta crónica estarão (enfim?) em férias; por variadas razões a preencherem os seus dias de forma diferente do habitual.  Mesmo os que ficam ?por casa?, têm outro rito e rotina de vida, vão ao cinema e passeiam, fazem coisas diferentes, enfim?Outros leitores procuram a diversidade noutros lugares, noutros países, em suma noutras paragens?
Parece que tudo de trabalho é para esquecer durante as férias. Será?
Existem três assuntos profissionais que, na minha perspectiva, as férias não nos devem fazer esquecer:

  1. O que funcionou bem no ano lectivo passado
    Existe, no nosso país, um pessimismo sedimentado sobre a forma como funcionam as nossas escolas públicas. Este pessimismo já não é só exterior à escola, os próprios professores, funcionários e alunos, dão sobejas provas que estão numa estrutura em crise e que espera por dias melhores.  Este pessimismo endémico é uma barreira a que se identifique e reconheça o que de bom se passa nas escolas.  E é muito. Em escolas que se encontram em condições objectivas difíceis encontramos muito frequentemente climas e práticas que procuraram resolver e resolvem inércias e dificuldades.  Muitas destas práticas funcionam com base numa cadeia de compromissos e de solidariedades informais que permitem encontrar localmente soluções que o longínquo ?Ministério? não é capaz de prover.. 
    No ano lectivo passado uma escola que recebeu um aluno em cadeira de rodas decidiu fazer alterações nos espaços que permitissem a circulação deste aluno.  E quem é que tratou de fazer e colocar as rampas?  E quem desenhou as rampas em conformidade com o Decreto-Lei 123/97? Foram os professores de EVT.  A escola entendeu e apoiou.  Mostrou-se orgulhosa de ter conseguido resolver este assunto que, se encaminhado por vias oficiais, ainda estaria hoje à espera de um despacho de um engenheiro qualquer.  Exemplos como este há aos milhares nas nossas escolas.  Mas a questão é: será que no próximo ano a escola vai estar mais robustecida com esta experiência?  Será que a escola se vai lembrar como foi mobilizador como foi gratificante descobrir o seu poder de resolver localmente assuntos que tantas vezes estão ao seu alcance?  Esperamos que sim.  Que a escola se lembre, que a escola se fortaleça e diga a muitos dos problemas que lhe vão aparecer: ?Já tivemos casos destes antes e resolvemo-los desta forma?.
  2. O que funcionou menos bem no ano lectivo passado
    Lembro-me da anedota dos dois criadores de gado com pastos contíguos que conversavam.  Um disse ao outro ?Tenho uma vaca com umas pintas vermelhas na língua, com o pelo a cair e sem comer.  Sabe o que fazer nestes casos??.  O outro criador respondeu: ?Já tive um animal assim: dei-lhe um frasco de óleo de rícino?. Passado duas semanas encontraram-se de novo.  ?Dei á vaca que estava doente o óleo de rícino e ela morreu passado dois dias?.  O outro respondeu ?Teve sorte, a  minha, quando lhe dei o óleo,  morreu no dia seguinte?.
    O que funcionou menos bem no passado ano lectivo, deve ser discutido analisado e transmitido para que não se assumam de novo opções que todas sabem que vão acabar mal.  Quantas opções erradas sobrevivem nas nossas escolas porque não foram identificadas como problemas da escola mas sim como problemas dos professores, dos alunos ou ?do sistema??  A constituição de turmas, os horários, as práticas de apoio a alunos com dificuldades, as práticas de direcção de turma, os contactos com os encarregados de educação e com as famílias são alguns exemplos em que podem existir práticas em que foram detectadas insuficiências mas que não sendo identificadas como um problema da escola não são tratadas enquanto um problema de toda a escola. Enquanto se pensar que os problemas se resolvem ignorando-os e esperando por melhores dias, não vai ser possível que a escola progrida como organização.  Não tomar providências sobre o que correu menos bem é agir como o professor que ensina mal e espera que um dia encontre uma turma que, por milagre, aprenda bem com os seus maus métodos.
  3. Porque é que estas coisas aconteceram
    É bom que a escola esteja consciente das suas possibilidades. Não uma consciência ?nivelada por baixo? mas uma consciência fundamentada, positiva e mobilizadora do que pode ser feito para criar ambientes de aprendizagem de qualidade para todos os seus alunos.  Precisamos que lembrar todo o trabalho, as decisões, as alterações, os entendimentos que tivemos ao longo do ano lectivo passado.  Tudo isto faz parte da profissão de professor.  Não esperamos que um mecânico olhe para o nosso carro na oficina como se fosse encarar aquele problema pela primeira vez.  Porque acontecem boas e más práticas na escola? O que pode ser mudado para diminuir as más e aumentar as boas?
    Bom, são estes o meus desejos de boas férias.  Aos meus colegas professores desejo umas férias repousantes e criativas mas não lhes desejo o esquecimento.  Desejo que se lembrem muito bem do que correu bem no ano lectivo passado para reforçar e fazer melhor, do que correu mal para corrigir e melhorar e que saibam porque é que as coisas correram desta forma para continuarem a desenvolver uma vida profissional com satisfação e com gosto.
    A mitologia grega falava da fonte de Castália como fazendo esquecer o passado  os que bebiam as suas águas.  Não bebam desta água, prefiram as águas termais nestas férias?

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 148
Ano 14, Agosto/Setembro 2005

Autoria:

David Rodrigues
Universidade Técnica de Lisboa e Coordenador do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva
David Rodrigues
Universidade Técnica de Lisboa e Coordenador do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva

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