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Os amores de Camilo Pessanha ou uma história pouco conhecida

Desde há tempos se sabe que esse livro único da poesia portuguesa do século vinte, que é Clepsidra de Camilo Pessanha, foi publicado em 1920 sob os cuidados editoriais de Ana de Castro Osório, por quem o poeta se enamorou, mas cujo amor foi recusado, como agora se deduz das cartas coligidas, anotadas e interpretadas pela atenção crítica do poeta António Osório, depois de uma primeira publicação na revista ?Colóquio-Letras?, nºs. 155/156, em 2000.
Poeta do amor e da fulguração, dos afectos e de muitos silêncios, António Osório fez o seu caminho desde A Raiz Afectuosa (1972) por entre outros caminhos, na soma de muitos livros e na coerência de um discurso poético que depressa se singularizou na nossa poesia e faz da sua condição de poeta um dos mais profícuos criadores, em que a palavra silenciada ou subversiva se impõe no modo de se afirmar e ser hoje um profundo conhecedor de outros poetas, na leitura de muitas leituras e nas referências  que são abundantes  na sua  poética, sem deixarem de povoar esse seu universo nas várias e atentas leituras de Goethe, Montale, Pound, Ungaretti, Rilke, Pavese, Pessanha ou Pessoa.
É verdade que até hoje a aventura poética de António Osório não conheceu limites e se consolidou numa teia feita de muitos poemas ou textos de fixação do quotidiano e reinvenção exemplar de um ?bestiário? ou ?planetário?, por saber encher de palavras as folhas brancas e não só para construir um espaço físico e espiritual bem próprio, por entre montes e montes de papéis, desenhos e livros, na aparente desordem da sua mesa de trabalho, mas sobretudo para conformar por outras veredas de sonhos e inquietações essa "décima aurora" que tem sido um desafio de todas as horas em tantos anos de ofício de poeta ou em busca de outras inquirições talvez de memória borgiana.
Mas, atento leitor de outros poetas e estudioso dos ?mitos? que os envolvem, António Osório com este livro sobre os amores de Camilo Pessanha (1867-1926) e que dizem respeito a uma paixão de juventude por Ana de Castro Osório (1872-1935), dá-nos a conhecer, através das cartas pouco conhecidas como esse amor despontou quando a autora de Contos para Crianças tinha os seus quinze ou dezasseis anos e permaneceu ao longo do tempo - Ana em Lisboa e Pessanha em Macau -, quase intocável, apesar das várias viagens até à capital e a Setúbal. Mas mesmo depois de ficar viúva do jornalista e político Paulino de Oliveira, Ana de Castro Osório não se deixou vencer por essa paixão que, como é notório nestas cartas, era mais alimentada pelo poeta de Clepsidra e menos pela irmã do seu bom amigo e poeta Alberto Osório de Castro.
Na forma documentada (transcrição das cartas, recortes de jornais, fotografias de família e outros papéis) como António Osório revela este levantamento epistolar e amoroso, numa edição bem cuidada, os leitores passam agora saber como o ?estranho e enigmático? poeta de Clepasidra, perdido e nunca esquecido em terras do Oriente, viveu esta história de amor e por ela pôde ver publicados os seus poemas, sempre com o carinho literário de Ana de Castro Osório e mais tarde de seu filho João Osório de Castro, ou seja, sempre Pessanta e a sua criação poética foi divulgada e estudada no seio da família que tanto o acompanhou nos anos de vida e de solidão em Macau e ainda hoje é António Osório quem volta a chamar a atenção para os amores de Camilo Pessanta.
O caminho poético de António Osório tem sido percorrido no fio dos seus versos, porque sabe do que fala e do que canta, do que lamenta e de si se lamenta, tanto nos poemas como nas prosas poéticas ou nas suas ?crónicas da fortuna?, ou ainda em estudos como ?A Mitologia Fadista? (1974) ou neste ensaio sobre Camilo Pessanha, onde aparecem anotações pessoais e biográficas que muito valorizam e deixam entender o percurso do poeta de Clepsidra.
E assim uma vez mais a arte poética de António Osório se confunde  com a sua própria existência real, por entre conotações de diferente origem poética e literária, num saber de experiência feito ou na consciência plena de que no entendimento de outros poetas se revela ou confirma a mesma vocação ou o sentido de interpretar o mundo da poesia de forma coerente e consequente com os seus próprios valores, e. como já observara Eduardo Lourenço, na?dupla leitura do real na sua densa materialidade, ma sua gostosa rugosidade e na sua função de revelador do eu que só através deles se inventa e aclara, não surpreende de todo?.
Assim, da leitura e conhecimento deste novo livro de António Osório que incide nos amores de Camilo Pessanha o que fica connosco, a par da pessoal revelação desta bela história de amor, é ainda essa forma de ?sobriedade elíptica, definida por Eduardo Lourenço, de que se serve o poeta de A Libertação da Peste para desvendar os mais recônditos lugares
da poesia de Camilo Pessanha ou através deles repetir os passos de uma poesia (a sua) que é definidora de outras matrizes, ideias e sentimentos, numa forma de geografia poética sem embaraços, percorrida até hoje pelo muito que António Osório tem a dizer e cantar.       

António Osório
O AMOR DE CAMILO PESSANHA
Edições ELO / Lisboa, 2005.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 147
Ano 14, Julho 2005

Autoria:

Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.
Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.

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