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Nova centralidade e novos critérios de qualificação do trabalho

DESVALORIZAÇÃO SOCIAL DO TRABALHO E ILUSÓRIA CENTRALIDADE DA EDUCAÇÃO   - III

As considerações que aqui abordamos ? que por razões editoriais foram publicadas em três partes: em Maio, Junho e Julho ? discutem um dos grandes mitos actuais, segundo o qual teríamos entrado numa era de pós-trabalho, centrada no conhecimento e na educação. Mudança que seria devida aos poderes ?sobrenaturais? das novas tecnologias e dos mercados globalizados, criadores de um mundo unificado pela alta finança e pelas redes de comunicação.

A importância ou centralidade deste trabalho vivo [ler texto anterior] (cujo peso não é  proporcional ao volume e potência dos novos meios de produção corpóreos ? hard - nem aos incorpóreos - soft) longe de diminuir, está a aumentar, devido ao crescente papel da  ?organização científica? dos processos de concepção,  produção e circulação de mercadorias. As novas combinações do trabalho intelectual dependente com meios de produção privadamente apropriados (capital)  não podem deixar de reproduzir, em níveis mais elevados, a contradição tradicional entre trabalho colectivo alienado e poder privado do capital. Com a incorporação de novos componentes de trabalho intelectual ?morto? (meios de produção)  e  ?vivo? (força de trabalho) muda a configuração do ?trabalhador colectivo? produtor de mercadorias, cujos componentes individuais só têm o emprego garantido,  enquanto se mostrem aptos a  produzir  um valor superior ao seu custo, ou seja, como produtores de mais-valia. As alterações nos dois pólos da relação de produção capitalista (capital e trabalho) não modificam a centralidade do trabalho assalariado; pelo contrário, essa relação fundadora da sociedade capitalista torna-se ainda mais profunda e abrangente, com a incorporação à órbitra do capital de uma diversidade de formas de trabalho produtor de mercadorias. Referimo-nos às relações de trabalho temporário, trabalho a tempo parcial, venda de serviços terciarizados ou subcontratados, trabalho ?informal?, que envolvem a  generalidade dos falsamente designados ?prestadores de serviços? (desde trabalhadores científicos, da cultura, da informação, da saúde, até aos produtores de ?bens? socialmente proibidos: tráfico de influências ou de votos, armas, narcóticos, etc. ). O facto de muitas das novas formas de trabalho terem perdido a  tradicional conotação de trabalho assalariado, não impede que a sua funcionalidade na produção de valor de troca, seja susceptível de apropriação pelo capital no processo de circulação. Deste modo, as novas formas de trabalho potencializam com maior opacidade a natureza exploradora e alienante do trabalho produtor de mercadorias.
Para alguns, o trabalho assalariado teria deixado de ser o fundamento estruturante da sociedade actual e, logo, da educação. As mudanças tecnológicas, podendo contribuir para garantir abundância material com cada vez menos tempo de trabalho, têm levado, sob o capitalismo, ao  desemprego  e à exclusão crescente de uma parte cada vez maior da população. E o trabalho transformou-se definitivamente num ?bem? escasso. A nova DIT é a  que separa os que têm direito ao trabalho dos excluídos desse direito, provocando a  crise de todas as formas de socialização ligadas ao trabalho: a escola, a empresa, o sindicato, o Partido, o Estado-Nação. Nestas condições é ilusório pensar na centralidade da Escola, fundada em algo que é, justamente, o epicentro da crise: o trabalho. Não há imaginação capaz de ?demonstrar? que a Escola possa vir a ser a força propulsora de uma mudança construída a golpes de mercado e de tecnologias geradoras de desemprego. A aparente ?não-centralidade? do trabalho produtor de mercadorias, base de novas mistificações ideológicas (?subjectivação do trabalho?, ?agir comunicativo?), mascara uma   realidade de desvalorização crescente do trabalho vivo, cujas formas de expressão são o desemprego massivo, a precarização generalizada do emprego  e a sobre-exploração globalizada. O fundamento desta inversão da realidade reside, segundo Marx,  na separação que o capitalismo aprofunda entre o trabalho e o trabalhador. O trabalho mercantilizado (realização das capacidades humanas para produzir determinado efeito útil), como qualquer outra mercadoria (bens de produção e bens de consumo) é comandado pelo valor de troca, no qual todas as qualidades concretas são anuladas em favor de uma única e abstracta qualidade: o preço, forma monetária que expressa esse valor abstracto. Esta redução do trabalho vivo a valor de troca aparece, graças à sua forma mercantil-monetária, como uma simples operação comercial entre partes livremente contraentes ou como um acto de ?justiça comutativa?. Porém, essa aparência oculta uma realidade essencialmente diferente: o consumo ou a exploração do trabalho vivo contratado.

Nota:
As partes I e II deste texto podem ser lidas em http://www.apagina.pt/arquivo/FichaDeAutor.asp?ID=598


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 147
Ano 14, Julho 2005

Autoria:

João António Cavaco Medeiros
Economista/Professor do Ensino Secundário
João António Cavaco Medeiros
Economista/Professor do Ensino Secundário

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