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Um olhar estrangeiro sobre crianças escolares portuguesas

Perguntarão outros sobre o motivo que me leva a escrever sobre a boa educação das crianças escolares portuguesas, e eu lhes digo que o faço para questionar a dura e implacável crítica à educação escolar e aos professores e professoras, que observo nos discursos da mídia, dos políticos e da população em geral.

Desde o início de Maio estou em Portugal, estudando e conhecendo um pouco o País e sua educação formal e informal. Tenho visitado escolas, faculdades, museus, parques... Tenho circulado a pé, de autocarro, comboio, metro, elétrico e automóvel, e isso não só em Lisboa e seus arredores, mas também em cidades como O Porto,  Lagos, ou a bucólica alentejana Reguengos de Monsaraz. Por toda parte, há algo que tem chamado minha atenção: a boa educação das crianças. Tenho ficado encantada com as carinhas simpáticas que me saúdam sempre com um acolhedor ?bom-dia!? ou ?boa-tarde!?. Quando as visito nas salas de aula, dizem de forma espontânea que reconhecem imediatamente o sotaque do ?brasileiro? que falo, de tanto ouvi-lo nas novelas da televisão. Antes de se pronunciarem, porém, lá estão as mãozinhas levantadas, anunciando ordenadamente seu desejo de participar da conversa! Quando pergunto se sabem onde fica o Brasil, logo o identificam como ?aquele grandão?, localizando-o geograficamente com correção − ?abaixo do Equador?! Sem esquecerem de registrar que ?foi Portugal que descobriu o Brasil?!
Em uma das escolas, encontrei as turmas dos pequenos preparando-se para os festejos do Dia da Criança, e deliciei-me com os ensaios das canções do seriado Morangos com açúcar, que entoavam com suas vozes angelicais, a demonstrar-me alegremente suas preferências musicais e sua familiaridade com as narrativas da poderosa mídia televisiva. Em meio a todo este entusiasmo e empolgação, não descuidavam nunca dos ?bons modos?. Lá estava, visível, a velha e boa educação!
Pelos parques, ao sol, quando encontro turmas de escolares festejando a primavera (e já, agora, a entrada do verão), não se vê nenhum miúdo correndo sem o seu boné. Nos museus, observo-os expansivos, curiosos, interessados, ouvindo atentamente as explicações das professoras. Ao perguntar ou trocar impressões com coleguinhas, modulam adequadamente seu tom de voz para não perturbar os demais visitantes. Se há um ou outro empurrão de alguém mais afoito, são as próprias crianças que proferem enunciados em defesa do bom comportamento.
Dirão alguns que tive sorte e, por acaso, deparei-me apenas com estudantes de ?boas escolas? e de ?certo nível? social. Sinceramente, não acredito nesta alternativa. Aposto antes na hipótese de que as crianças pequenas apreciam conviver com tranqüilidade e eqüidade. É o mundo inventado pelos adultos que acaba, por fim, inscrevendo-as e moldando-as em um universo competitivo, regulado pela lei do mais forte, do mais rápido, do mais ágil, do mais esperto, do que fala mais alto, e assim por diante. Tudo isso porque, argumenta-se, é preciso aprender a viver neste mundo para vencer dentro dele e conseguir sucesso, único caminho para uma boa vida. Todas elas, premissas profunda e amplamente discutíveis!
Perguntarão outros sobre o motivo que me leva a escrever sobre a boa educação das crianças escolares portuguesas, e eu lhes digo que o faço para questionar a dura e implacável crítica à educação escolar e aos professores e professoras, que observo nos discursos da mídia, dos políticos e da população em geral. Concordo que uma boa educação não se restringe à aquisição das civilidades, ao saber comportar-se para conviver socialmente e habilitar-se à cidadania, há mais do que isso. Mas penso que crianças como as que encontrei e acabo de descrever, têm multiplicadas suas chances de se tornarem pessoas intelectualmente bem preparadas e capazes de enfrentar os desafios de sociedades que, por suas selvagens práticas produtivas, aproximam-se cada vez mais da barbárie que proclamam pretender banir. Crianças pequenas felizes, espontâneas e bem educadas, que respeitam os outros e sabem conviver são um tesouro em qualquer país. Elas são nossa única chance de corresponder à necessidade de  responsabilidade social, de fazer prevalecer virtudes de caráter como confiança, respeito, comprometimento e ajuda mútua. Há que se cuidar muito bem delas ? pais, professoras, governantes e a sociedade como um todo.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 147
Ano 14, Julho 2005

Autoria:

Marisa Vorraber Costa
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade Luterana do Brasil
Marisa Vorraber Costa
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade Luterana do Brasil

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