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A Declaração de Bolonha e o Ensino Superior Politécnico

Emerge da Declaração de Bolonha (DB) um conjunto de termos e intenções dos quais poucos discordarão. A qualidade do nosso ensino superior depende fortemente das teias de cooperação que conseguir construir no seio de um sistema europeu de ensino superior. Faz um inegável sentido investir na comparabilidade e compatibilidade de graus académicos, em novas estruturas de cursos, em formas de creditação e de certificação. É preciso assegurar a mobilidade de estudantes, de diplomados e professores; de cooperar em rede europeia de modo a estabelecer critérios e metodologias comparáveis de desenvolvimento curricular e de avaliação do desempenho dos alunos e da qualidade das instituições. É urgente promover e consolidar a nossa integração numa geografia europeia de investigação.
Apesar das críticas ? algumas pouco sustentáveis e relevantes - que lhe possam ser feitas ? lógica de desenvolvimento e competição económica global que a DB pressupõe (mas haja quem neste pequeno país encontre uma alternativa!); perspectiva economicista do(s) governo(s) que querem impor cursos mais curtos e menos caros; fragilização da autonomia das instituições; desvalorização da especificidade da cultura do sistema de ensino superior Português; padronização da estruturas dos cursos em fórmulas estáticas de dois ciclos - a Declaração de Bolonha é uma importante, talvez a determinante, chamada para a qualidade e internacionalização do nosso Ensino Superior. No entanto, os seus desenvolvimentos em Portugal têm sido lentos, contraditórios e enviesados. Como recentemente era referido num semanário, a maioria das universidades portuguesas nem sequer adoptaram o modelo de Bolonha considerado essencial para a sua modernização. Anãs ultrapassadas, as instituições de ensino superior nacionais insistem em polémicas gratuitas ? como se será melhor adoptar o título de licenciatura ou bacharelato para o primeiro ciclo de estudos superiores? (Visão nº623 - Suplemento Especial: O Estado da Nação).
A DB não é obrigatória, mas adoptá-la constitui uma oportunidade para participar num espaço de diálogo, comunicação e troca de experiências. Logo de comparabilidade e de referências externas permanentes de avaliação num espaço alargado de competitividade e desenvolvimento. É uma oportunidade para romper com o contexto paroquial em que tradicionalmente nos revemos, avaliamos e autoavaliamos. Permite criar o contexto para romper com concepções curriculares estáticas e corporativas, centradas numa organização tradicional dos saberes, na predominância de graus académico medidos em tempo de permanência nas salas de aula, contabilizado para as disciplinas e para os professores. A cultura de qualidade da formação tem de incluir o tempo de trabalho autónomo dos estudantes enquanto aspecto essencial para a pesquisa livre do conhecimento, para a organização da informação e para o desenvolvimento de uma disposição para a sua formação autónoma ao longo da vida. 
Por razões históricas e culturais, o Ensino Superior Universitário (ESU) constitui modelo e referência do que devem ser os currículos e os graus académicos. O Ensino Superior Politécnico (ESP) tem sido demasiado dominado por essas referências. Os desenvolvimentos da DB poderia constituir uma oportunidade para a afirmação e autonomização da identidade deste subsistema. Por definição, o ESP reúne algumas características que o aproximam do espírito de Bolonha, nomeadamente formação técnica e profissionalizante para a inovação e a competitividade, visando perfis adequados às necessidades do mercado de trabalho e à empregabilidade. A recomendação da DB para um sistema baseado em dois ciclos de formação, em que o primeiro, com a duração mínima de três anos, deverá ter relevância para o mercado europeu de trabalho como nível apropriado de qualificação, reforça, no contexto português, a importância de formações politécnicas. Também aqui, não parece que os debates em torno da DB tenham tomado a melhor direcção. Quase todos dizem não a uma formação superior conclusiva de 3 anos. A adopção do modelo de 3+1, 3+2 ou 4+1 anos significa, na maioria dos casos, que não é possível formação superior numa via profissionalizante, para o mercado de trabalho, em 3 anos. Para isso, defendem, é necessário nada menos do que especializações ou mestrados. Fica a ideia que o 1º ciclo é uma fase por onde tem de se passar mas sem um significado e conteúdo profissionalizante significativo. Por outro lado, os politécnicos estão agora demasiado ocupados no reconhecimento para concederem pós graduações (mestrado e doutoramento) e na sua promoção a Universidades. De resto esse espaço está a ser cada vez mais aberto pelo poder político através da criação de etapas de um percurso para a ?promoção`, através de critérios evolucionistas, do nível de Politécnico ao nível de Universidade (Politécnico ? Universidade Politécnica ? Universidade). Sob os argumentos de semelhança esconde-se o reconhecimento do estatuto inferior do ESP e da falta de um espaço para a afirmação das diferenças e de uma identidade própria. Na impossibilidade de afirmar as suas diferenças perde a sua razão de existir enquanto tal. Para perceber em que medida o tem feito, basta colocar a seguinte questão: o que é que actualmente faz o ESP que o ESU não faça também? O que fica não é muito. No entanto, o ESP detém trunfos que, à luz da DB, deveriam ser mais valorizados: flexibilidade e resposta local e regional às necessidades de emprego, diversidade de cursos, experiência de formações qualificantes de duração média. 
É claro que o ESP deve poder conceder pós-graduações desde que para isso reuna as necessárias condições. Mas, de modo nenhum, deveria afastar-se de formações de profissionalizantes de 1º ciclo (e outras) conclusivas, relevantes para o mercado de trabalho. O tempo de formação inicial não é o critério determinante na qualidade dos seus produtos, nem no seu prestígio. Estes verificam-se no desempenho dos diplomados no terreno. E o ESP deu provas no passado, como outros países o fazem actualmente, de que o pode fazer e com qualidade.


  
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Edição:

N.º 143
Ano 14, Março 2005

Autoria:

Carlos Cardoso
ESE de Lisboa
Carlos Cardoso
ESE de Lisboa

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