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Agustina Bessa-Luís, consagrada com o Prémio Camões

Na altura em que acaba de ser consagrada com o?Prémio Camões? pela importância da sua vasta obra literária, honra merecida a todos os títulos e que coloca a autora de Sibila ao lado de escritores já premiados como Miguel Torga, Vergílio Ferreira, Jorge Amado, José Craveirinha, Raquel de Queirós e outros, justifica-se reler alguns dos seus melhores livros como fazemos com Os Quatro Rios, que é ainda um dos romances da nossa preferência.
Pelo conjunto da sua obra consolidada em mais de cinquenta anos de profícua actividade literária, Agustina Bessa-Luís não se revela muito acessível para o leitor menos atento ao clima e estrutura narrativa dos seus romances. Mas desde há muito tempo que a autora de Antes do Degelo procura quase intencionalmente quebrar a acção dos romances e conduzir o leitor por caminhos enigmáticos, onde se não vislumbram com nitidez todos os contornos, mas sem deixar de ligar os elos narrativos da realidade à imaginação, o presente ao passado, a vida à morte.
Dotada de grandes recursos, como é reconhecido pela crítica, em que a torrencialidade da própria imaginação é um rio caudaloso que parece não ter fim, a acção dos romances da autora de Vale Abraão começa onde se não sabe bem e termina onde se não espera. As suas personagens (e em Os Quatro Rios isso é por demais evidente) surgem diante do leitor como sombra ou  rasto de imagens que sempre povoam a  memória. Assim, é difícil falar de qualquer romance de Agustina Bessa-Luis, porque a riqueza do estilo, a beleza do encadeamento da acção narrativa, a linguagem ritmada e rica de contornos e efeitos singulares e inesperados, se afirmam como as características principais para se ler com agrado e prazer os seus romances.
Mas de que nos fala em Os Quatro Rios, primeiro romance de uma trilogia intitulada ?As Relações Humanas?? Nada de especial que valha a pena assinalar, mas antes de muitas coisas que, pelo contrário, merecem ser anotadas, em relação à vida de qualquer família, confrontada com os seus problemas, conflitos e privilégios. E o que é mais essencial neste romance é que as personagens se confundem e assumem outros contornos diante do leitor à medida que avança a própria acção narrativa. E tudo isso porque a versatilidade de Agustina Bessa-Luis em manejar os cordéis com que movimenta as personagens é tão ágil e rica nos seus diferentes pormenores, que o conflito do livro ganha uma dimensão que não se pode reduzir a um simples propósito de decifração crítica. A autora de Sibila sempre sabe o que quer alcançar nos seus livros, sabe muito bem levar as personagens da sua imaginação pelo caminho mais exacto e verosímil.
Por isso, Os Quatro Rios, relido mais de trinta anos passados sobre a primeira edição, ainda nos remete para a plenitude da vida nos seus elementos mais insignificantes: um breve diálogo, uma observação a esta  ou àquela forma de vestir ou de falar, um apontamento do mundo familiar ou geográfico, um simples comentário às coisas da vida que, no fim de contas, se revelam nos próprios actos quotidianos, nas nossas relações (ou ?ralações?) humanas. Mas o que mais interessa nas obras romanescas de Agustina Bessa-Luís, para quem acompanha a evolução da sua criação literária, é o modo de encontrar sempre a palavra justa, a imagem certa, para nos sugerir os sinais de um qualquer problema ou os traços de uma personagem. (Por ex.: ?Ora para o jovem Albano, quase cavalheiro de indústria e príncipe da batota, o jogo representava - como todos os vícios chegam a representar - um princípio que ilude a culpa? (p. 24) ou este fragmento bem expressivo do que dizemos: ?E, no entanto, a cidade formosa, lânguida nos seus bairros secretos de Ramalde e de Nevogilde, leviana na Foz cinzenta, com ruazinhas onde se alberga uma elegância fácil de paisagem imóvel, incluída na decoração, uma paisagem sem criação e sem esforço de alma, com palmeiras, jardins esquartelados, pedras medidas e o imerecido fragor do Atlântico? (p. 171).
Pelo prazer repetido na releitura de Os Quatro Rios, pelo sentido de sua vasta e significativa obra literária e, sobretudo, pelo carácter humano de uma problemática humana que tem abordado as questões do nosso tempo, sempre enquadradas numa perspectiva de interpretação tão pessoal, Agustina Bessa-Luís mereceu com toda a justiça ser consagrada agora com o prestigiado ?Prémio Camões / 2004?.

LIVROS EM DESTAQUE

BREVIÁRIO DA ÁGUA
João Pedro Mésseder / Francisco Duarte Mangas
Ilustrações de Geraldo Valério
Ed. Caminho / Lisboa, 2004

Depois do Breviário do Sol, esta dupla formada por um jornalista e um professor, já com várias obras publicadas para crianças, reincide neste interessante Brevário da Água, talvez no propósito de desvendar, ou fazer beber pelo coração, os diversos sentidos da água, dos rios e dos ribeiros. É uma forma didáctica de através da poesia, e em versos por vezes bem conseguidos, revelar os encantos e segredos da água, não só a que passa ao pé da porta, mas também a que corre pelos grandes rios e serras como o Gerês ou outras águas de antigas memórias. 
João Pedro Mésseder e Francisco Duarte Mangas uma vez mais conseguem colocar ao alcance dos olhos e das palavras renovadas formas de entender o mundo e os seus segredos, valorizando ainda esta intenção com um ?Glossário da Água?, que aparece no final do livro, elaborado com humor e sem deixar de evocar todas as derivações da água pura, da chuva, dos rios e dos mares. Enfim, um belo livro para crianças e jovens na colecção ?Livros do Dia e da Noite?, que a Editorial Caminho tem publicado com regularidade. 


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 141
Ano 14, Janeiro 2005

Autoria:

Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.
Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.

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