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O terrorismo, ontem e hoje

Este Ocidente espalha a Democracia e a Tolerância, como dantes Portugal espalhava a Fé e o Amor. Para a tutela e exploração dos "outros". Ontem, para buscar o açúcar, o ouro, a pimenta; hoje, o petróleo, o gás natural, os diamantes.

O terrorismo é um problema de segurança, que urge resolver da forma mais eficaz. A segunda vitória eleitoral do Presidente Bush mostra como a América adquiriu uma consciência real da questão depois de 11 de Setembro de 2001.
A guerra que o Ocidente trava um pouco por todo o mundo é uma «luta pela defesa duma forma de viver livre e digna». Mas não faltam, infelizmente, os detractores, aqueles que não tendo capacidade para agir, pairam na sombra, sempre prontos a envenenar. Esses «lembram só os aspectos negativos e querem fazer-nos esquecer os benefícios que resultaram» da nossa acção. Se fosse por eles, deveríamos ficar de braços cruzados, enquanto os nossos pais, filhos, amigos e compatriotas se tornam vítimas sangrentas do terrorismo. Devemos agradecer à coligação de países ocidentais (entre os quais se inclui honrosamente Portugal) o constante trabalho de prevenção do terrorismo no Iraque, no Afeganistão e noutras partes do mundo. «O terrorista não é um soldado, pois não está sujeito, durante o combate, aos riscos inerentes ao uso de um uniforme que o identifica como combatente inimigo. Foge, esconde-se, mistura-se com a população. Está mais próximo do assassino do que do militar». Com efeito, «a distinção entre terroristas, elementos que os apoiam efectivamente e simpatizantes é extremamente difícil». Por isso, é necessário procurar casa a casa, interrogar e destruir os redutos onde eles se albergam. Não podemos permitir que se acoitem nas cidades e aldeias os «terroristas que, em face do nosso modo de vida, têm causado grandes males e sofrimentos. Sabido isto, temos naturalmente de reduzir ao mínimo as suas possibilidades de acção». Felizmente, graças à acção decidida dos nossos líderes, as grandes movimentações de tropas acabaram, ou, como disse o Presidente Bush há ano e meio, «a guerra acabou». Restam apenas alguns «últimos redutos» onde também «estamos a defender a Europa».
O leitor que me seguiu até agora poderá estranhar tantas aspas. Mas não é gralha de imprensa, não. São citações. Palavras de George W. Bush? Palavras da Europa de Durão Barroso? Absolutamente não. São citações tiradas, respectivamente, de António de Spínola (em 1973), Marcelo Caetano (no mesmo ano), uma circular do Exército português (da mesma época), Kaúlza de Arriaga (idem), Adriano Moreira (em 1961, quando era Ministro do Ultramar) e finalmente António de Oliveira Salazar (no ano seguinte). Isto é, os responsáveis pela política e pelas acções militares da última guerra colonial portuguesa. O facto de essas palavras merecerem o mais absoluto descrédito depois da independência das ex-colónias deveria dar que pensar. No entanto, são as mesmíssimas palavras que hoje se usam na «guerra contra o terrorismo». Guerra esta onde as palavras "terrorista", "way of life", "segurança" e "benefícios" se misturam da mesma forma aviltante como se misturavam em português há trinta e quarenta anos. Como é possível que se usem essas palavras na cena "democrática" actual, exactamente como se usavam ontem no Portugal "do Minho a Timor"?
Em 1555 (sim, há 450 anos), Fernando Oliveira publicou um livrinho chamado Arte da Guerra do Mar, onde dizia, terminantemente, que os portugueses nunca fizeram guerra justa contra muçulmanos, judeus e 'pagãos'. Embora estes, apesar de não quererem ser cristãos, estivessem dispostos a comerciar pacificamente com os portugueses, segundo Oliveira, os portugueses atacavam-nos, matavam-nos ou escravizavam-nos. A desculpa de que não se pode medir o que se passava naquela época pelos padrões morais de hoje cai por terra quando se lêem textos como aquele. Um dos historiadores oficiais de então, João de Barros, escreveu que Portugal espalhava a Fé e o Amor pela missionação e pelo comércio. A verdade é que os portugueses queriam o domínio total da circulação dos bens nas costas africanas e indianas, queriam o monopólio. E o fim justificava os meios. Além de que havia uma classe militar que necessitava do estado de guerra permanente para a manutenção e promoção da sua prosperidade e poder.
Em nome da Nação ou da Religião, em nome da acção civilizadora e do progresso, portugueses estiveram durante séculos na vanguarda da guerra, da exploração e da matança de populações inteiras. Com o beneplácito do Rei ou do Papa, em nome da segurança, da ordem, do bem-estar e até da justiça (pobre justiça!), portugueses «em África e Ásia andaram devastando» (Camões não mentiu) com a exploração desapiedada dos recursos naturais, com as guerras sem provocação, com o mais extenso e destruidor negócio de escravatura que a Humanidade conheceu. Ao contrário do que nos querem fazer crer, o terrorismo tem, portanto, um longo passado. Mas o nome de «terrorista», ontem como hoje, aplicou-se somente aos «outros»...
Houve recentemente dois assassinatos na Holanda, muito publicitados. Os jornais, entre artigos de "informação" e de opinião, deram o alarme: o país europeu da tolerância está ameaçado pelo terrorismo. Toca a reunir, pois; segurança precisa-se. Quem eram os assassinos? «Um amigo dos animais, com motivos obscuros» e «um terrorista». O que é que torna este último numa coisa que o primeiro não é? Não se vislumbra senão uma razão: o facto de o "terrorista" ser muçulmano. Dois assassinatos igualmente repulsivos têm duas justiças antecipadas diferentes. A morte de Pim Fortuyn terá tido causas político- ideológicas misteriosas. A morte de Theo van Gogh, o cineasta louro (chamavam-lhe "provocador"...) que insultava católicos e judeus, e considerava os muçulmanos «fornicadores de cabras» (não se diz o que ele chamava aos protestantes louros...), foi um «acto terrorista». Resultado: a Holanda está ameaçada pelo terrorismo. Se o caso não fosse tão sério, seria de riso. Dezenas de pessoas são assassinadas todos os dias, por intervenção dos Estados mais armados do mundo, pelo simples facto de serem diferentes do que "deviam" ser ou viverem no lugar "errado", pessoas que nunca fizeram outra coisa senão tentar viver (muitas vezes, sobreviver) o melhor que sabem e podem, mas é a Holanda, que assistiu à morte de Gogh e Fortuyn (um homem que assumidamente rejeitava os imigrantes), que agora se sente ameaçada na sua qualidade de país da tolerância...
Este Ocidente espalha a Democracia e a Tolerância, como dantes Portugal espalhava a Fé e o Amor. Para a tutela e exploração dos "outros". Ontem, para buscar o açúcar, o ouro, a pimenta; hoje, o petróleo, o gás natural, os diamantes. E o maior objecto de todos, as próprias pessoas. Pessoas "outras", cuja visão dos "benefícios" ocidentais, como em Bhopal, Índia, começou com sete vezes mais mortes do que as que resultaram do ataque suicida ao World Trade Center em Nova Iorque, e não tem sequer fim à vista, após 20 anos de horror.
De facto, o terrorismo é mesmo um problema de segurança. Um problema da segurança que falta quando começamos a entender a forma como tratamos os "outros" pelo mundo fora.


  
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Edição:

N.º 141
Ano 14, Janeiro 2005

Autoria:

Hélio J. S. Alves

Hélio J. S. Alves

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