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A triste política do ME

Se já não bastasse o triste espectáculo dos concursos de docentes, se já não houvesse imensas preocupações com uma revisão curricular do ensino secundário que entra em vigor sem preparação, temos agora uma Lei de Bases aprovada por uma maioria conjuntural, desfazendo o consenso da Lei de 1986.
Há muitos anos que não vivíamos uma situação tão preocupante.
O que é legítimo exigir a um governo, a qualquer governo ?
Primeiro, a apresentação de políticas claras e consistentes, depois a responsabilidade (e bom senso) na sua concretização e, em terceiro lugar e como condição essencial, a capacidade de gestão dos procedimentos necessários à realização dessas políticas.
Quanto a políticas claras e consistentes, nunca se percebeu se era o programa do PP ou as vontades dispersas do PSD que vingariam.
Hoje, podemos dizer que essas duas tendências se neutralizaram e que não é um nem outro : não é nenhum.
 O que o ministro da educação faz é ir confortando, com discursos passadistas,  quem acha que a educação já foi melhor, quando era só para alguns, e ir anunciando, ao mesmo tempo, medidas lá para 2010.
Hoje e aqui, nada.
Hoje e aqui, é a confusão que reina.
Aliás, foi assim desde o início. Basta lembramo-nos da fúria legislativa dos primeiros tempos deste governo ; era tudo para suspender, tudo para recomeçar? A maioria aprovou, por exemplo, uma pomposa Lei da avaliação do ensino nao superior (Lei no. 31/2002) com a qual justificou a suspensão de toda a avaliação que então existia.
Tal Lei nunca foi regulamentada (nem quiseram, então, estabelecer prazos legais para essa regulamentação).
Outro exemplo tem a ver com a Lei de Bases da Educação. O governo apresenta uma Lei de Bases que supõe mudanças na estrutura do sistema educativo e antes da sua aprovação, suspende medidas, volta a aprovar outras e anuncia que, depois da Lei de Bases, voltará a revê-las. É o que tem acontecido com o ensino secundário, por exemplo.
Acresce, e isto é politicamente muito sério, que  aprovaram uma Lei de Bases sozinhos, a meio do mandato, banalizando um diploma que deve merecer mais cuidado porque tem que constituir uma referência que assegure  estabilidade ao sistema educativo.
Pela primeira vez, na história da nossa democracia, temos, pela vontade do ministro David Justino e da maioria governamental,  uma lei de bases que nasceu com um governo e que morrerá com ele.
Quanto à responsabilidade (e bom senso) na concretização das políticas,  tem estado tão ausente quanto o têm estado as próprias políticas claras e consistentes.
Basta ver o que está a acontecer no ensino secundário. No próximo ano haverá profundas mudanças curriculares, mas nada está preparado nas escolas, nada. Nem informação aos pais e aos alunos sobre as escolhas a fazer no 10ºano, nem formação de professores para os novos programas, nem materiais de apoio.
Claro que a revisão curricular trará, apesar de tudo,  alguns aspectos positivos, pena é que se tenham perdido mais dois anos, pois estava preparada para entrar em vigor em 2002, numa versão bem mais rica e ambiciosa e foi suspensa apenas por razões eleitoralistas. Empobrecida e ?remendada? está agora a ser conduzida sem cuidado nem rigor.
E o mais grave é que este ensino secundário que assim maltratam é aquele que querem tornar obrigatório até 2010.
E torná-lo obrigatório tem exigências cujas respostas não se descortinam.
 Ou será que só é obrigatório andar na escola até aos 18 anos e que não é obrigatório completar 12 anos de escolaridade ? Ou será que não sabem bem o que será obrigatório e para quem ?
Finalmente, aquela que é a condição primeira para qualquer responsável político, a gestão dos procedimentos e, neste caso, a colocação de professores, questão-base no trabalho das escolas, eis a fonte de todas as confusões. Os erros são múltiplos e inexplicáveis. Professores excluídos, tempo mal contado, professores que perdem os requisitos para ensinar...
Um caos, uma vergonha, uma trapalhada, uma confusão nunca vista, eis o que todos ouvimos a propósito do concurso nacional para a colocação de professores do ensino básico e secundário.
Não se trata de um incidente isolado ou de um erro ocasional, a situação é grave e , digo isto com preocupação, com pesadas consequências.
Consequências no constrangedor ( para todos nós)  espectáculo público da incapacidade de governantes em gerirem com normalidade processos que fazem parte da rotina das organizações.
São dezenas de milhares de professores em « polvorosa » por culpa  do Ministério que tem a obrigação de garantir as condições para  um trabalho pedagógico de qualidade.
Consequências na vida dos professores e na vida dos alunos e das escolas. Com ansiedade e revolta, dezenas de milhares de professores vivem dias que perturbam o trabalho exigente de que a qualidade educativa precisa.
O Ministério da Educação já fez , com isto, mais contra a qualidade do trabalho pedagógico , neste final de ano lectivo ,  do que com qualquer outra medida deliberada e perversa.
  Minou a confiança dos docentes, dos pais e de todos os que assistem a este espectáculo pouco digno.
Nunca os portugueses se sentiram tão pessimistas, e com pena o digo, pessimistas e desanimados. Com meio milhão de desempregados, com discursos inconsequentes, com políticas e com práticas de gestão completamente desastradas.
Este governo diminuiu o orçamento para a educação, tanto em 2003 como em 2004 ;  publicaram-se  rankings de escolas que se retiraram envergonhados, envergonhadíssimos, fizeram-se  agrupamentos à força, e os governantes nem sequer são capazes de colocar os professores nas escolas.
Como é possível dizerem que apoiam a estratégia de Lisboa, reconhecendo que há problemas com a qualificação dos portugueses, que a sociedade do conhecimento e que o desenvolvimento do país  exige mais qualificação e terem tais desacertos que hipotecam o dia a dia das escolas ?
Com a educação não se brinca. É um assunto demasiado sério para nos governarmos com discursos e com tamanha incompetência.
Este governo corre o risco de ficar na história como  o primeiro governo que não é capaz de fazer um concurso de professores e que aprovou, sozinho, uma Lei de Bases da Educação.
O senhor ministro da educação é responsável por  um dos sectores mais decisivos  da nossa vida colectiva.
Não podemos pactuar com tanto desacerto.  Lamentamos o espectáculo triste que dão ao país.
É urgente arrepiar caminho.  Será que são capazes?


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 135
Ano 13, Junho 2004

Autoria:

Ana Benavente
Deputada do Partido Socialista. Professora.
Ana Benavente
Deputada do Partido Socialista. Professora.

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