Entre as reflexões que o trigésimo aniversário da Revolução de Abril suscitou a quem não se coloca nas margens da corrente da História e já concluiu que dificilmente alguém conseguirá permanecer eternamente incólume nas várzeas tranquilas da sua indiferença, resistindo a todas as torrentes, viu-se de tudo: desde o contentismo dos conservadores e a melancolia de Eduardo Lourenço, a nostalgia de Vasco Gonçalves, o desafio de José Saramago, a indignação de José Mário Branco ou desencanto de Maria Lurdes Pintasilgo, até ao inconformismo de Boaventura de Sousa Santos, que, enquanto receia "podermos estar a entrar num período em que as sociedades são politicamente democráticas mas socialmente fascistas", acredita que "aos inconformistas só a História, nunca os contemporâneos, pode dar razão." O mesmo é dizer, com esperança: a seguir a um tempo outros tempos virão ( Santo Agostinho dizia que "o tempo é o espaço onde decorrem as coisas") e o inconformismo é a alavanca da História. Mas não é difícil imaginar a confusão que existirá na mente do comum dos mortais a quem a Escola não ensinou mais do que o bê-á-bá das pequenas coisas e na Família só aprendeu as maneiras de conservar a espécie, quando ouve palavras como Progresso, Desenvolvimento, Democracia, Liberdade, Honra ou Justiça, proferidas por figuras públicas tão díspares como Mário Soares e Durão Barroso, Ferro Rodrigues e Paulo Portas, Manuel Alegre e João Alberto Jardim, Francisco Louçã e Manuela Ferreira Leite. Como poderá esse comum mortal aquilatar a pesporrência de Governos de países culturalmente atrasados que compram submarinos a crédito, poupam na educação física e artística e esbanjam em estádios de futebol - se a Escola não o ajudou a reflectir, se a Família aos costumes disse nada, se os guias da opinião baralham, iludem ou distorcem, propagando a confusão? Quem explicará ao comum dos mortais a razão porque ao mesmo facto histórico, o 25 de Abril - que, mercê de uma insofismável insurreição militar, ratificada pelo povo, baniu um regime e modificou a política e as instituições do Estado vigente - uns chamam revolução, outros evolução e outros ainda involução? Quem elucidará o ignorante e o indiferente sobre a diferença abissal que existe entre Democracia e Demagogia, Popularidade e Populismo, Liberdade e Licenciosidade, Cultura e Alienação, Universidade e Confraria, Informação e Manipulação, Emulação e Competição, Progresso e Desenvolvimento, Urbanização e Predação, Mercado e Monopólio, Consumo e Desperdício, Trabalho e Exploração, Lucro e Especulação, Socialismo e Liberalismo, Universalidade e Globalização, Capitalismo e Imperialismo? Quem esclarecerá o ingénuo e o distraído que se a religião pode ser o "ópio do povo" (como se manifesta, por exemplo, entre grupos cristãos evangelistas da América e islamistas da Arábia), no Mundo industrializado o "ópio" é o dinheiro, porque igualmente modifica, transforma, alucina e aliena as mentalidades? Se não for a Escola a assumir a Ética com o mesmo sentido de "missão" (antes de tudo, individualmente assumido) que induz um médico a socorrer quem desfalece à sua frente, um bombeiro a apagar um incêndio ou um samaritano a orientar um cego na rua - que outro papel mais crucial se há-de esperar dela? Escatologicamente falando: se a Escola só servir para reproduzir o "statu quo" ou o "déjà-vu", e nada explicar, nada questionar, nada estimular, porque é amorfa, acrítica e conformada e se satisfaz fabricando produtores e consumidores em série, consignados ao Mercado, onde tudo se compra e tudo se vende (menos a honra, ressalvava António Champalimaud, todo o homem tem o seu preço, asseverava Pittigrilli), essa Escola para pouco mais servirá do que continuar a Confusão - como quem engorda crianças para alimentar o Monstro.
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