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O Chiquinho

Ele foi o mais belo de todos os bichos, um hamster muito esperto; respondia pelo nome, nunca brincou naquelas rodas que as gaiolas de hamsters têm. Era delicado e amável; comia à mão, evitava com todo o cuidado morder os dedos, quando lhe dáva-mos de comer. Via mal, como os da sua espécie. O Chiquinho era castanho, viveu connosco mais de dois anos e tornou-se uma companhia imprescindível. Soltáva-mo-lo para passear, num quartinho pequeno. Fazia-lhe bem. Comia, bebia água, brincava. Fez-me pensar muitas vezes nos versos de Walt Whitman sobre os animais, quando Walt diz ?eles são tão serenos e reservados, (?) Alheios por condição a queixas e fadigas, (?) Nenhum está descontente, nenhum endoideceu com a mania de possuir bens?. O Chiquinho esteve doente e recuperou. Ficámos a pensar que ele viveria sempre. (É o que pensamos de todos os que estimamos). Eu chamava-lhe ?cãozinho?, ?ratão?, ou apenas ?Quinho?. Uma noite percebi que estava muito doente. Não comeu e tal como noutras ocasiões, na sua mansidão, não se importou que o tirasse da gaiola, mas caminhava com dificuldade. Tinha uma massa tumoral na barriga. Vi que estava mesmo doente, no fim.

Foi para uma gaiola menor, aquela que teve quando o comprámos. Morreu com uma expressão de serenidade e na realidade não deveria ser de outra forma, pois nunca fez mal a ninguém. Cinco euros custa um hamster, mas pode valer muito mais; pode valer lições de vida. O Chiquinho ensinou como um animal pode ser grandioso, sem maldade nem astúcias, sem ardis nem crueldade, amigo e fiel a quem o privou de liberdade, confiando na mão carcereira que lhe dava alimento. Compreende-se S. Francisco de Assis, quando vemos o corpinho sem vida de um bicho leal, amigo, tão pequeno e tão grande, dele fica apenas a sua imagem, e para poucos, mas o que fica de nós, igualmente? Bichos tenebrosos em que nos tornámos, com a mania da superioridade, destruidores do planeta que nos abriga, combatentes dos outros humanos, temos 99% de semelhança genética com o macaco, mas muitos por cento de inferioridade comparados com um roedor. O Chiquinho ficou melhor, é uma consolação triste, mas ele, não merecia, de certeza, o sofrimento físico.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 135
Ano 13, Junho 2004

Autoria:

Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real
Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real

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