Página  >  Edições  >  N.º 135  >  Participação e Cotidiano Escolar

Participação e Cotidiano Escolar

GESTÃO DA EDUCAÇÃO

O cenário político neste ano eleitoral de 2004, deveria ser mais favorável ao debate sobre participação democrática na sociedade e na escola pública, mas infelizmente não está sendo, em função da continuidade de mazelas tradicionais na esfera da administração pública ? desvio de verbas públicas, arrocho salarial para os servidores públicos e forte recessão econômica provocada pelo pagamento da dívida externa. As pessoas desempregadas encontram-se desesperadas porque não são criadas novas fontes de trabalho. E finalmente, as páginas dos jornais diários, os noticiários de televisão e as principais revistas do país denunciam fatos em diferentes setores do Estado, mas seus responsáveis não são investigados. O processo eleitoral ? quando no final do ano serão realizadas eleições para prefeitos dos municípios e para vereadores das câmaras legislativas promete ser um momento para o reencontro da sociedade com o Estado. A administração pública encontra-se desacreditada. A reversão deste cenário é possível com a ação conjunta de partidos políticos, de sindicatos e de entidades civis, de novos movimentos e redes de vigilância sobre a arrecadação e a distribuição dos impostos. 
A gestão da educação e da escola pública está condicionada por esse cenário. O desmonte dos serviços públicos e contraditoriamente a valorização da escola privada como solução para democratização da educação estão comprometendo algumas conquistas gestadas por ocasião da Constituição Cidadã de 1988. Não há dúvida que o movimento de gestão democrática da educação avançou nas décadas de 80 até meados da década de 90. Hoje, este movimento sofre retrocessos, embora a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9.394 de 20 de dezembro de 1996 tenha confirmado a participação não só na gestão da escola mas também na construção do projeto político pedagógico, de acordo com a regulamentação em leis municipais.
No entanto esta participação não se consolidou na gestão da educação e muito menos nas propostas pedagógicas das escolas. Três motivos explicam esta situação precária da gestão da escola. Primeiro, o projeto político conservador que está embutido nas práticas administrativas. A administração ou é excessivamente burocrática e controladora privilegiando a uniformidade, disciplina e homogeneidade dificultando qualquer gesto de criatividade ou incorpora práticas de programas empresariais de qualidade total. Segundo, a falta de formação ética e política dos gestores eleitos privilegia interesses privados em detrimento dos coletivos e públicos. Terceiro, a confusão estabelecida pelo pragmatismo das políticas neoliberais de privatização no setor administrativo público, de tal forma que nem dirigentes em seus cargos administrativos nem dirigidos conseguem distinguir mais o que é público e o que é privado.
Como construir neste contexto uma participação democrática na gestão e na construção da proposta pedagógica da escola?
Os governos neoliberais entendem que propostas de participação da comunidade na administração das escolas, devam ser através de programas como ?Amigos da Escola?, ?Dia da Família na Escola?, ?Escolas de Paz?. ?Associações de Apoio à Escola? e ?Organizações não governamentais?.   
Como educadores e pesquisadores entendemos que não é suficiente  permanecer na denúncia. Isto a mídia o faz muito bem. É fundamental lutar para manter as conquistas democráticas constitucionais. É preciso ir além e se comprometer com uma construção democrática cotidiana em diferentes setores da sociedade e do Estado.
As práticas do cotidiano escolar constituem um horizonte para o surgimento, crescimento e consolidação de um projeto democrático alternativo. A investigação das práticas docentes, administrativas e culturais é este horizonte que aponta uma direção. Afinal, a quem servem estas práticas? Que projeto de sociedade e de Estado está embutido no diálogo dos educadores e educandos? Que significado possui a interlocução entre saberes acadêmicos e ?saberes de experiência feitos? conforme ensinara Paulo Freire?
É preciso que educadores e gestores se reeduquem na perspetiva de uma ética e de uma política no sentido de criar novas formas de participação na escola pública, tais como ouvindo, registrando e divulgando o que  alunos e comunidade pensam, falam, escrevem sobre o autoritarismo/liberdade da escola pública e as desigualdades da sociedade brasileira. É tecendo redes de falas e de registros, ações e intervenções que surgirão novos movimentos de participação ativa e cidadã. Quem fala, quem pensa, e quem escreve, acaba se reconhecendo como sujeitos de sua própria prática.
O cotidiano escolar vivido e investigado na perspectiva da complexidade valoriza a singularidade dos sujeitos que tecem aquele cotidiano. O insignificante se torna tão importante quanto o institucionalizado, porque é produção de sujeitos. Não é a instituição e o instituinte que se confrontam, mas sujeitos que se organizam em coletivos ou redes que possuem suas opções. O importante é o novo movimento destes sujeitos. As eleições de diretores e de membros dos conselhos de escola e comunidade são importantes como conquistas, mas também é importante no cotidiano, a intensidade de representação de quem ocupa funções públicas. Um projeto político pedagógico é importante, mas também o diálogo e a interlocução entre saberes escolares e saberes populares, de ?experiência feitos? como ensinara Paulo Freire. As greves que visam a valorização do magistério e a manutenção de nossas conquistas, são tão importantes quanto no cotidiano, o reconhecimento dos alunos e da comunidade para com os profissionais da educação.
Não será num passe de mágica que educadores e gestores vão conseguir mergulhar no cotidiano escolar, e descobrir nele o democrático para além da participação na gestão e na construção dos conhecimentos. Tanto a gestão quanto o currículo escolar foram construído numa lógica disciplinadora e uniformizante. Sendo o cotidiano o espaço tempo dos sujeitos, o respeito à diferença constitui o maior desafio.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 135
Ano 13, Junho 2004

Autoria:

João Baptista Bastos
Univ. Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, Brasi
João Baptista Bastos
Univ. Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, Brasi

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo