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Um erro de uma política, ou o erro transformado em política

CONCURSO DOS PROFESSORES

Antes que tudo fique resumido a um ?erro informático?, vale a pena ir um pouco mais longe e perceber em que medida o ?erro dos concursos? não só é um erro de uma política, mas o próprio erro transformado em política.

Não vou falar da saga dos concursos para professores nem dos traumas que os erros cometidos provocaram nas vítimas e certamente, espera-se, nos próprios culpados. Não há quaisquer dúvidas quanto ao sucedido: tratou-se de um imenso erro que devia envergonhar quem o cometeu e cujas consequências para os responsáveis deveriam ser proporcionais à aposta política que puseram na mudança prometida. Basta ler o comunicado de 11 de Março de 2004 que ainda se encontra no ?site? do Ministério da Educação: «A concretização do concurso de professores para 2004-2005 representa uma profunda reforma estrutural e de procedimentos, respondendo à clara consciência que havia, desde há muito, da inadequação do anterior sistema de colocação de professores, sobretudo pela irracionalidade e complexidade, mesmo, pela penosidade que significava para os candidatos (?). O novo modelo de concursos assumiu finalmente a mudança necessária». 
Contudo, contrariamente ao que seria de esperar, ainda não se viram demissões, e a estratégia adoptada pelo Ministro e Secretário de Estado tem o seu quê de ?rumsfeldiano? -  ?Desculpem! Não me demito? - sem que se fique a saber se julgam que pelo facto de pedirem desculpa não têm de se demitir, ou se pedem desculpa por não se demitirem. Claro que foi prometido um inquérito, mas em Portugal, corre-se o risco de os inquéritos só servirem para mostrar que não-se-sabe-o-que-toda-a-gente-diz-saber e que só-se-sabe-o-que-ninguém-quer-saber. 
Por isso, e antes que tudo fique resumido a um ?erro informático?, vale a pena ir um pouco mais longe e perceber em que medida o ?erro dos concursos? não só é um erro de uma política, mas o próprio erro transformado em política.
 No primeiro caso, o que aconteceu (independentemente das razões técnicas que se venham a descobrir como causa próxima) deve ser visto como um sintoma claro dos malefícios da política centralizadora e da regulação burocrática que, contrariamente ao discurso oficial, continua a dominar o Ministério da Educação. A ?modernização informática? só serviu, como acontece normalmente nestes casos, para reforçar os tiques de centralismo, disfarçar a obsessão do ?todo-controlo? e ocultar a falta de ideias para fazer uma renovação de fundo no sistema.
No segundo caso, o erro cometido não é um sintoma, mas a própria doença. Ou seja, o erro é fruto da própria sobranceria e leviandade que costuma atacar certos responsáveis do Ministério da Educação. Recém-chegados ao Ministério logo se julgam ?césares da gestão? que ?tudo vêem e tudo vencem? perante aquilo que dizem ser ?o atávico atraso da administração pública?, ?o corporativismo dos professores?, ?a incompetência dos técnicos?, ?o lirismo dos pedagogos? e ?a falta de senso dos teóricos da educação?. Tomados de um frenesim reformista, começam a despachar a torto e a direito para entreter o pessoal, enquanto preparam as ?mudanças de fundo?, de preferência com pessoas ?não contaminadas pelo sistema?, ou melhor ainda, encomendadas a privados de confiança. E depois, sabe-se o que acontece... As coisas não são tão simples como parecem e, afinal, os responsáveis anteriores não eram tão incompetentes como se dizia. Contudo, em vez de terem a humildade de corrigirem os erros, arranjam bodes expiatórios e recrutam cada vez mais serviços ao exterior, confortando-se entre amigos, dizendo-se vítimas do ?monstro? da burocracia estatal. Até que um dia, saem do Ministério para regressar à actividade privada e passam a dizer mal do ?ensino público? como se nunca tivessem estado lá! Para eles, ?os erros são sempre do sistema? e, quanto mais errarem, mais fácil é dizer que o Estado não funciona e que é preciso entregar a educação aos privados!


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 135
Ano 13, Junho 2004

Autoria:

João Barroso
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação da Univ. de Lisboa
João Barroso
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação da Univ. de Lisboa

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