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Não façamos como a avestruz.

É necessário reflectir acerca do associativismo docente

A questão da criação da Ordem dos Professores é recolocada anualmente nesta época. O Dia do Professor é quase sempre coincidente com o início do Encontro Nacional dos Professores organizado pela Associação Nacional de Professores (ANP), ex - Associação Nacional dos Professores do Ensino Básico (ANPEB). Na sessão de encerramento do 20º Encontro daquela associação, intitulado ?Educação de Qualidade ? País de Excelência?, o seu presidente João Granjo ?defendeu que ser professor é uma profissão de alto risco?, insistiu no reconhecimento da profissão que, no seu ponto de vista, passa pela criação de um ?novo modelo de associativismo profissional que contribua para a definição de um Código Deontológico e para a criação da Ordem dos Professores?. Esta permitiria assumir o poder de auto-regulação e introduziria um sistema de aposentação diferenciada e melhorias ao nível do estatuto da carreira docente, o que se traduziria numa educação com mais qualidade (Diário do Minho, 4 de Fevereiro, p.5). Adiantou ainda João Granjo que a ANP avançará com um inquérito nacional para ouvir a opinião da classe sobre a criação da Ordem até ao final do ano lectivo. 
Independentemente do resultado que se obtiver, importa questionar. Antes de responderem ao inquérito terão os professores possibilidade de reflectir  colectivamente e de forma aprofundada acerca dos efeitos positivos/negativos da criação da Ordem? Em que condições e em que contexto os professores responderão ao inquérito? Começando pela segunda questão formulada, penso que o anúncio publicado no Público, no passado dia 25 de Janeiro, é bem elucidativo da actual condição profissional dos professores.
?DOCENTES Á BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS
Solicitam casamento rápido com professores do Quadro exclusivamente para prioridade em concurso?.
O autor deste anúncio foi brilhante. Com ironia pôs a nu todo o mal estar que invade a classe. Neste contexto, todos os discursos, ainda que demagógicos, que possibilitem a esperança e  aliviem a carga dos professores são bem vindos, e na maioria dos casos são absorvidos e reproduzidos de forma acrítica.
Neste sentido, é urgente reflectir a construção da profissão e do associativismo docente.
Convém não esquecer as condições sócio-históricas-profissionais que levaram à criação e manutenção das Ordens Profissionais das chamadas profissões liberais tradicionais e que efeitos produziram no interior do corpo profissional e na relação com os seus clientes. Convém ainda ter presente que, na acepção da teoria funcionalista das profissões, o prestígio, a imagem social da profissão foi adquirido através da introdução de mecanismos que dificultaram o acesso à profissão, ou seja que permitiram a construção de um corpo de saberes pouco acessível  e auto-produzido, hermético e que reforça o poder do profissional em relação ao seu cliente.
A Ordem dos Professores é reclamada desde 1985 pela ANPEB (actual ANP) e por outras associações que surgiram posteriormente como é o caso do Sindicato dos Professores Licenciados (SNPL) e da Associação Sindical dos Professores Pró-Ordem (ASPO). Desde logo, observou-se falta de consensos entre elas, nomeadamente no que concerne aos critérios de admissão à Ordem. O SNPL impunha como condição de acesso a licenciatura e o cumprimento do Código Deontológico, a ANPEB exigia habilitações profissionalizadas e a ASPO considerou que só os professores em funções efectivas, profissionalizados, que prestassem provas públicas e que jurassem o Código Deontológico é que estariam em condições de serem admitidos à Ordem.  Vejam-se as ?vantagens?! Desta forma  reforçaríamos a unidade no seio deste corpo profissional!
Na época, aquelas associações, e entre elas a ANPEB, consideravam que o papel da Ordem passava pela defesa dos interesses e das aspirações da classe, nomeadamente a recuperação do prestígio social perdido. No que concerne às questões salariais  e ao estatuto da carreira docente concordavam que a defesa destas cabiam aos sindicatos. E com razão. Teoricamente cabe aos Sindicatos a defesa dos trabalhadores e às Ordens a defesa dos direitos e deveres dos profissionais. Mas hoje, para o discurso ter eco, confunde-se tudo. Promete-se melhorias no sistema de aposentação, no estatuto da carreira docente...
De facto, é preciso estar vigilante e desconstruir discursos defensores de novas formas de associação dos professores que introduziriam mais elitismo, maior hierarquização e mais mecanismos de controlo na profissão docente. Na linha do que tem defendido Almerindo Afonso importa rejeitar a transferência mimética, acrítica e a-histórica de lógicas e estratégias alheias às especificidades do campo pedagógico. A singularidade do processo de profissionalização dos professores portugueses  não se compagina com estratégias  de recolha de dados legitimadores  de interesses de determinados grupos. Recuperar o prestígio social da  profissão impõe um processo partilhado por diferentes actores educativos e passa necessariamente pelo reforço da autonomia e pela afirmação da competência pedagógica dos professores.


  
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Edição:

N.º 132
Ano 13, Março 2004

Autoria:

Maria Emília Vilarinho
Departamento de Sociologia da Educação e Administração Educacional da Univ. do Minho
Maria Emília Vilarinho
Departamento de Sociologia da Educação e Administração Educacional da Univ. do Minho

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