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Desemprego a quanto obrigas

Geração do Desenrasca

Ela ouve dizer que ?a vida está má para os jovens?. Mas desconfia que poucos saberão quanto. Expectativas de emprego, goradas após a conclusão da licenciatura. Formação de cinco anos reciclada em cursos do ?centro de emprego?. Estágios profissionais, ou pior, não remunerados. Empregos passageiros. A ?estória? de Ana Saraiva, 25 anos, é apenas uma entre as muitas que dão corpo à apregoada ?vida difícil? da sua geração.

Tirou o curso de Línguas e Literaturas Modernas, variante Estudos Portugueses, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Mas nunca quis ?dar aulas?. Terminado o ano de estágio, em finais de 2001, Ana Saraiva, 25 anos, viu confirmada a sua ?falta de vocação? para a docência. ?Como não podia recuar no tempo?, decidiu enveredar por um caminho ?diferente?. Um que lhe permitisse ainda assim ?aproveitar? a licenciatura que tinha. A oportunidade de obter outra formação chegou através do gabinete de saídas profissionais da sua faculdade.
Durante seis meses Ana fez um curso de Inserção e Formação Profissional de Jovens que formava assistentes administrativos para pequenas e médias empresas. No final, o Instituto de Emprego e Formação Profissional arranjava-lhe um estágio profissional de meio ano numa cadeia de restauração. A sua função consistia em fazer a gestão de stokes e tratar do expediente geral de escritório. Apesar de ser uma área bem longe daquela em que se tinha licenciado, Ana sentia-se habilitada mas não gostava do que fazia. O trabalho ficava aquém das suas expectativas. Além disso começaram a surgir alguns problemas.
?Eu fazia o trabalho que me cabia muito depressa, e claro, depois ficava sem nada para fazer?, recorda Ana. Este ?excesso? de produtividade acabou por se virar contra ela. Criou ?atritos? entre ela e as suas duas colegas, cujo ritmo era mais ?lento?. E fez o patrão perceber que não precisava de contratar Ana para conseguir dar resposta ao volume de trabalho da empresa. Bastava exigir mais trabalho às duas funcionárias já contratadas.
Com o estágio profissional terminado e sem ter conseguido lugar na empresa, Ana voltou quase à estaca zero: ?Saí com uma mais valia, a de ter aprendido muitas coisas de informática e de técnicas administrativas?.
Os novos conhecimentos permitiram-lhe arranjar um emprego em part-time no escritório de um advogado. Ana iria substituir uma secretária cuja gravidez atirou para a baixa. Mas Ana ainda não estava satisfeita. ?Tinha vontade de trabalhar em algo que me fizesse pensar, ligado às humanidades e aos livros.? Com alguma ?estabilidade? e uns ?dinheiros? no bolso, Ana decidiu investir numa pós-graduação em Ciências Documentais variante bibliotecas e centros de documentação, na Universidade Portucalense. Tinha decorrido um ano sobre a conclusão da sua licenciatura.
No escritório, Ana passava processos a computador, atendia o telefone e fazia de professora. Como o advogado era avesso à Internet e ao Email, Ana teve de o ensinar a usar as novas tecnologias. ?Ensinei-lhe tudo, tintin por tintin, com ele colado ao meu ombro de bloco na mão a tirar apontamentos, é obra não é??, graceja. Entretanto, a licença de parto da secretária acaba e o emprego de Ana também. Desempregada, decide-se pelo voluntariado numa Instituição Particular de Solidariedade Social. Começa a inventariar o espólio da instituição, faz uma base de dados e aproveita parte do que faz para apresentar nos ?trabalhos? pedidos na pós-graduação.
Como o voluntariado não lhe trazia a ?subsistência?, Ana continua à procura de emprego. Passa por uma empresa de telemarketing ligada ao turismo. Mas não aguenta. Os 50 telefonemas das 9h30 às 14h e a pressão a que é sujeita para ?vender? acabam por levar a melhor. Surge uma outra oportunidade. Um novo emprego como administrativa, desta vez, numa empresa ligada ao sector do têxtil infantil. As coisas porém não lhe correm bem. O patrão, confessa Ana, era ?insuportável?: ?um daqueles sujeitos sem formação que gostam de humilhar os licenciados e se sentem valorizados por os verem no desemprego?, atira.
Enquanto o seu trabalho consistia apenas na gestão de stokes de encomendas e no atendimento aos clientes Ana foi ficando. As coisas pioraram quando o patrão entendeu que Ana devia também ser funcionária de limpeza e encarregar-se da lavagem do armazém onde eram guardados os caixotes das encomendas. Ana recusou-se e o ambiente ficou de ?cortar à faca?. Depois de ?aturar? alguma ?má educação?, Ana acabou por colocar um ponto final na história. Está desempregada.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 131
Ano 13, Fevereiro 2004

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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