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Morosidade da justiça: afinal a culpa é das mulheres!

? Essa gestão está complicadíssima. Nós temos uma bolsa de 18 juizes em todo o País  para atender os casos de megaprocessos, substituir juizas grávidas e juizes doentes. Em Junho tinhamos  41 juizas grávidas.  Como é que podemos gerir 41 tribunais sem juizes, tendo apenas uma bolsa com 18? Os casos dramáticos não são os processos mediáticos, mas os milhares  de processos que temos para decidir sem juizes suficientes. No ano passado, tivemos ao longo  do ano 78 juizas grávidas ? quatro meses cada uma ? quando decorriam dezenas de megaprocessos em todo o País, com medidas de segurança complicadas. Com a gestão de recursos que temos, os problemas são dramáticos...Precisamos de 80 juizes. O ano passado  reformaram-se cerca de 100 magistrados. Todos os anos  se jubila muita gente. Há tribunais no Porto sem ninguém porque  os juizes são quase só mulheres e estão todas grávidas.?
(Noronha Nascimento, Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, DN, 06 Outubro 03)

?A maternidade , tradicionalmente exaltada e idealmente consagrada, é sem dúvida motivo de realização para as mulheres, mas também, muito frequentemente, motivo de discriminação na sua vida profissional?
(Igualdade de Género ? Portugal 2002 , CIDM)
O Decreto-Lei nº 492/74, de 27 de Setembro, abriu o acesso das mulheres à magistratura.
A Constituição da República Portuguesa estabelece desde 25 de Abril de 1976, a igualdade entre mulheres e homens em todos os domínios.( art. 9º al. h), art. 13º, art. 26º, art. 36º, art. 58º, art. 59º1. b), art. 68º 3.)
A Lei 4/84 de 5 de Abril (e suas seguintes alterações) assegura a protecção da Maternidade e da Paternidade.
O II Plano Nacional para a Igualdade 2003- 2006  sublinha que ? a promoção da igualdade entre as mulheres e os homens é parte integrante da promoção dos direitos da pessoa humana que incluem, para umas e outros, o direito de participarem plenamente, como parceiros iguais, em todos os aspectos da vida?.
No âmbito da União Europeia, em 29 de Junho de 2002, foi adoptada a  Resolução do Conselho dos Ministros do Emprego e da Política Social  relativa à participação equilibrada das mulheres e dos homens na actividade profissional e na vida familiar.
As afirmações acima citadas, proferidas por um jurista com elevadas responsabilidades  profissionais e sociais, deixaram-me estupefacta, por motivos vários.
É grave que um  jurista esqueça, ignore ou oculte o ordenamento jurídico do País em que vive e desenvolve a sua actividade profissional.
É lamentável que as citadas afirmações sejam proferidas totalmente desenquadradas de dados  sobre  as percentagens de homens e mulheres na magistratura, de homens e mulheres ausentes da  função por motivo de doença, de homens ausentes em licença de paternidade, de homens e mulheres  em comissões de serviço, de homens em serviço militar ( que dura mais de 4 meses...).
Importará também recordar que, dada a taxa de natalidade em Portugal, as ausências das mulheres não se repetem  muitas vezes na sua carreira profissional.
Todos e todas lamentamos a morosidade da Justiça em Portugal. Lamenta-se que, no que se refere ao numero de  magistrados/as disponíveis, a bolsa de substituições não obedeça a uma correcta e eficaz gestão de recursos humanos que tenha em consideração as estatísticas relativas aos vários tipos de ausências  de modo a permitir previsões correctas.
Lamenta-se que os estereótipos machistas permaneçam e, por causa deles, se continue a culpabilizar as mulheres por serem mães.
Porque isso de ser mãe ( e pai!) para além de ser uma enorme prazer
pessoal, é também um serviço ao País!


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 128
Ano 12, Novembro 2003

Autoria:

Ana Maria Braga da Cruz
Presidente da Comissão para a Igualdade e para os Direitos da Mulher - CIDM
Ana Maria Braga da Cruz
Presidente da Comissão para a Igualdade e para os Direitos da Mulher - CIDM

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