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Programas de prevenção do consumo de drogas: um logro comunicacional?

VIMOS FALAR UM POUCO DA NOSSA EXPERIÊNCIA NA ÁREA DA PREVENÇÃO DO CONSUMO DE DROGAS. FOMOS, EM ALGUMAS OCASIÕES, SOLICITADOS PARA IR PARTICIPAR EM PALESTRAS SOBRE O FENÓMENO DAS TOXICODEPENDÊNCIAS A VÁRIAS ESCOLAS. ESTE TIPO DE INICIATIVAS, SENDO LOUVÁVEL, SUSCITA SEMPRE UM PROBLEMA: MAS QUE TEMAS DEVEMOS FOCAR?

As acções de prevenção no nosso país centram-se ainda quase exclusivamente no fornecimento de informações sobre as substâncias. É sabido que as estratégias de prevenção baseadas somente na dimensão informativa podem ter efeitos perversos. Avaliações sistemáticas do impacto dessas prevenções realizadas nos anos 60 nos EUA vierem demonstrar que este tipo de prevenção implementava o risco de consumos futuros. Os motivos deste fenómeno podem ser óbvios: estimulou-se a curiosidade dos alunos sobre diversas substâncias que porventura nem conheciam; os alunos aperceberam-se que eram um grupo de risco graças a essas intervenções.
Mas aqui vamos defender a posição de manter os jovens na ignorância (como se isso fosse possível) ou o imobilismo do nada fazer? Não é isso que queremos afirmar. Vamos aproveitar este espaço para acrescentarmos algumas hipóteses da nossa lavra para este acontecimento (existe inúmera literatura científica sobre o tema e sobre a evolução posterior das estratégias de prevenção).
A situação de pânico moral, fomentada pelos media, tende sempre que se fala numa nova substância, a conotá-la com uma história que a antecede: a da droga alienação. Muitas vezes estes pânicos morais desenrolam-se antes de existir um real problema no terreno. Por outras palavras: apesar dos seus propósitos preventivos as campanhas realizadas podem funcionar como campanhas publicitárias.
A qualidade da informação, frequentemente, deixa muito a desejar usam-se slogans do género: a droga é má; o haxixe leva  à heroína; não se pode experimentar heroína que ela vicia logo. Estamos no fio da navalha: estas informações podem ser vividas como irrealistas pelo jovem. De facto algumas delas são mesmo erradas: é verdade que a maioria dos heroinómanos que passam pelos centro de apoio a toxicodependentes (CAT) começaram o seu percurso de drogas ilegais com o haxixe; mas o inverso não é verdadeiro, muitos fumadores de haxixe não evoluem para as chamadas drogas duras. Por outro lado, a ideia da droga ser má é normalmente contradita na experiência imediata. Sabemos que o envolvimento com as drogas passa muitas vezes por etapas iniciais em que os consumos são encarado de maneira optimista. Ou seja: a informação a droga é má não condiz com a expriência imediata dos utilizadores principiantes de drogas.
A informação sobre drogas deve ser realista, desdramatizadora de certos mitos. O risco que corremos ao não fazermos isso é a perda de credibilidade junto da população alvo. Outra observação decorrente destas reflexões: o formador da acção de prevenção pode cair na tentação de definir o que é a droga ou drogas à revelia da experiência dos jovens.
O aproveitamento das experiências de cada um, o modo de encarar as coisas de cada um deve ser o cerne de qualquer intervenção. Numa sessão de esclarecimento que realizámos, sessão organizada por jovens mas aberta a membros da comunidade, fomos confrontados com as consequências práticas destas reflexões. Uma parte da plateia, mais idosa, atribuía a entrada nas drogas às más companhias; os jovens, que organizaram a acção, rebelaram-se preferindo privilegiar a acção  nefasta de muitas famílias desestruturadas. Certamente que ambos os vectores desempenham o seu papel. Mas o que estava aqui em jogo era uma luta implícita sobre a autoria dos actos: os mais velhos não reconheciam capacidade de escolha aos mais novos; estes defenderam a sua margem de manobra, dando maior revelo aos erros das gerações anteriores.
A responsabilização, a proximidade de interesses e as motivações da população alvo das acções de prevenção do consumo de droga são condições indispensáveis para o sucesso. A coordenação destas acções de prevenção, no âmbito de programas mais alargados de intervenção, é também um factor importante.
Usámos, ao longo do texto, o termo de população alvo, termo muito utilizado na gíria preventiva. Ele encerra lapidarmente o logro comunicacional de que falámos: a população não está à espera de ser agida pela acção preventiva, é esta que deve promover mecanismos para que ela possa agir sobre si de um modo mais saudável e eficaz.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 125
Ano 12, Julho 2003

Autoria:

Rui Tinoco
Psicólogo Clínico - ACES Porto Ocidental
Rui Tinoco
Psicólogo Clínico - ACES Porto Ocidental

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