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Quem são e o que pensam as crianças-trabalhadoras?

Neste artigo as crianças dizem o que pensam a respeito do trabalho infantil e da escola, além de falarem de seus sonhos.

Venho desenvolvendo, nos últimos anos, uma pesquisa junto às crianças-trabalhadoras, no Município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. São crianças oriundas de famílias com renda mensal inferior a 80 reais. e, portanto, necessitam trabalhar para auxiliar na renda mensal familiar.  O constrangimento moral, humano, ético e social a que foram expostas nos últimos anos, através de sucessivos planos econômicos, aliado ao  descaso do poder público para com a parcela menos favorecida da população, além de altas taxas de desemprego, fizeram com que aprendessem a lutar, para sobreviver, combatendo a situação hostil e de indigência a que foram submetidas.

Neste artigo as crianças dizem o que pensam a respeito do trabalho infantil e da escola, além de falarem de seus sonhos.

É recorrente o discurso da aspiração por um futuro melhor,  para elas e para seus familiares.
 
« Não gosto de faltar às aulas. Minha mãe também não gosta que eu falte. Sei que a escola é importante para mim e que preciso estudar mas, quando olho no armário e vejo que está faltando comida, vou para a rua trabalhar e por isso falto à escola. Penso que  posso recuperar a aula, mas sem comida não dá pra  ficar. O dinheiro da minha mãe não dá para quase nada. Ela se mata de tanto trabalhar e o dinheiro nunca chega, Aí, é a hora em que chego à conclusão de que ela precisa de mim, do meu trabalho, para ajudar  a botar as coisas  lá em casa. Não digo para ela que falto à escola. Ela briga comigo se souber. Faço tudo por conta própria, sem que ela saiba. Quando ela vê, a comida já está  lá.. Quando pergunta sobre a escola, mostro o bilhete que eu mesmo faço, dizendo que não teve aula.»
 
Sérgio tem 13 anos e cursa o segundo ano do ensino fundamental pela terceira vez. Sua fala revela o alto  grau de responsabilidade para com sua família e, porque não dizer, para consigo mesmo. Percebe seu trabalho como de fundamental importância para a subsistência da família, sacrifica seus estudos para que a alimentação não falte. Faz mais, escreve  bilhetes por sua mãe e pela escola, como ao informar não haver aula naquele dia. Toma a decisão que julga ser acertada para o momento, coloca em risco seus estudos para solucionar como pode a situação de penúria em que sua família vive.

Sérgio se vale do que Certeau  denomina astúcia e eu, teimosamente, denomino inteligência.  Sérgio analisa a situação, traça planos e avalia freqüentemente o fruto de suas atitudes. Pensa, fala e age, na maioria das vezes, como uma pessoa adulta.  Chama-me a atenção o alto grau de responsabilidade  demonstrado  por ele, característica desenvolvida ao longo de muitos anos de sofrimento e de  privações de toda a sorte.

O que o faz reagir assim?  Por que não se revolta ou se coloca na situação de  vítima?  Seria por causa da família? Apesar de tudo, Sérgio é alegre e bem humorado. Se acredita capaz de escrever uma outra história para si e para sua família. Luta com coragem e não desanima. Não se mostra submisso, enfrentando  corajosamente as situações com que se defronta

Sérgio me ajuda a refletir um pouco mais sobre o trabalho infantil,  me ensinando, ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, que seus familiares acompanham sua vida escolar, não o exploram e ainda nutrem a esperança da importância da escola para mudar a vida de seus filhos.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 122
Ano 12, Abril 2003

Autoria:

Margareth Martins de Araujo
Univ. Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil
Margareth Martins de Araujo
Univ. Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil

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