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Estação Litoral da Aguda: Um laboratório com vista para o mar

Chegar à praia da Aguda numa manhã de Inverno pode ser  uma experiência inesquecível. A pequena vila, desenhada por ruas estreitas, pontuada por casas do final do século XIX e princípios de XX, encanta pelo ambiente bucólico e pela tranquilidade que só julgávamos possível encontrar numa aldeia perdida no interior do país. E o Porto ali tão perto...
Naquela manhã em que estivemos lá, porém, estava instalado o rebuliço. Um barco de pesca afundava-se ao largo da costa, perante o olhar impotente dos homens e mulheres que, desde a marginal, assistiam à tentativa de salvamento. À medida que os gritos de dor ecoavam pelas ruas estreitas do bairro dos pescadores, mais pessoas acorriam para ver o que se passava. O tempo decorria sem que houvesse sinais de a história vir ou não a ter um final feliz. Teve. Nessa altura, o choro de alívio brotou das mulheres com a mesma intensidade com que, momentos antes, carpia de dor pela sorte dos dois náufragos. Do barco, já não se via senão a proa.
A Aguda é uma localidade do litoral de Vila Nova de Gaia conhecida pela sua pesca artesanal baseada em métodos tradicionais transmitidos de geração em geração. Por volta de 1870, pescadores da Afurada e de Espinho instalaram-se neste local para construir os primeiros abrigos em madeira e para pescar sobretudo caranguejo, conhecido como "pilado", que vendiam aos agricultores locais como adubo.
O caranguejo foi sendo substitído pelos adubos químicos, mas a pesca continuou e evoluiu com o aparecimento de novas artes. De há três décadas para cá, porém, a pesca artesanal encontra-se em declínio: dos sessenta barcos que aqui pescavam restam apenas dez. É hoje um dos últimos núcleos piscatórios do seu género em Portugal.
Para preservar a memória destas e de outras histórias ergue-se frente ao mar desta pequena vila a Estação Litoral da Aguda (ELA), porventura um dos mais interessantes e menos conhecidos centros de investigação e educação ambiental do concelho de Gaia. Através dele pretende-se sensibilizar o público para os problemas do litoral, proporcionar às instituições de ensino um contacto directo com o mar e investigar os processos ecológicos do litoral, apoiando ao mesmo tempo a pesca local.
A face mais visível deste equipamento cultural e científico é o Aquário, composto por quinze tanques, habitado por mais de mil animais de cerca de sessenta espécies representativos da fauna e da flora aquáticas locais, capturados com a colaboração dos pescadores locais. Esta exposição, onde cada aquário representa uma pequena secção transversal da costa, dá a conhecer os peixes e invertebrados marinhos mais importantes para a pesca artesanal através de um percurso que principia na zona entre marés, mergulha até aos 25 metros de profundidade e regressa a terra entrando num pequeno ribeiro de água doce que atravessa as dunas. 
A maior parte da decoração interior, nomeadamente as paredes rochosas volumosas, foi construída artificialmente com cimento e areia pigmentados sobre tela de poliester, apresentando uma simulação bastante realista de cada habitat. Como curiosidade, refira-se que o peso destas estruturas corresponde apenas a um décimo de uma estrutura natural.
Destaque também para o Museu  das Pescas, no qual se dá relevo aos apetrechos e às artes tradicionais da pesca artesanal e às memórias da faina e do quotidiano do povo da Aguda. As peças exibidas ganham um significado próprio quando comparadas com equipamentos e utensílios da pesca artesanal de outros países e de várias épocas, reunidos na Europa, África, América, Ásia e Austrália pelo director da ELA, Mike Weber. Da mostra constam peças únicas e valiosas como anzóis feitos de madeira, carapaça de tartaruga, madrepérola, osso de baleia e até de osso humano, aço e ouro, passando por armadilhas e redes fabricadas artesanalmente, entre outros objectos de interesse.

Centro de investigação e educação ambiental

A ideia de criar um equipamento com estas características partiu do investigador alemão Mike Weber, professor do Instituto de Ciência Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da Universidade do Porto. Chegado a Portugal em Outubro de 1979 com uma bolsa de estudo em biologia marinha, Weber descobriu a praia da Aguda cinco anos depois e apaixonou-se pelo local. Entre o investigador e os pescadores foram-se criando laços fortes de amizade. "Fui centenas de vezes com eles ao mar e dessas incursões resultou o meu primeiro livro de fotografia", conta num português com algum sotaque.
O início do projecto teve lugar no final da década de 80, após o responsável pelo pelouro do urbanismo da Câmara Municipal de Gaia (CMG) ter inquirido Weber acerca das eventuais possibilidades de revitalização daquela comunidade piscatória. "Respondi-lhe que o mais interessante seria criar um pequeno aquário que, além dos benefícios turísticos, pudesse servir de instrumento de apoio aos pescadores", explica o investigador. A dinamização da vila piscatória seria também uma forma de chamar a atenção do poder central para uma reivindicação antiga da comunidade: a construção de um porto de abrigo que, apesar de todos os esforços, nunca passou do quebra-mar que hoje existe.
Os primeiros trabalhos para a construção da ELA tiveram início em 1993, mas sucessivos atrasos foram adiando a sua conclusão. A falência da empresa de construção foi um dos principais revezes. "Houve alturas em que andei aqui sozinho a fazer de tudo um pouco, desde a instalação eléctrica, à carpintaria e serralharia", diz  Weber.  Por fim, em 1999, - onze anos após o início do processo - o equipamento, da autoria do arquitecto João Paulo Peixoto, era inaugurado.
A autarquia de Gaia contribui mensalmente com 60% da verba para o seu funcionamento, sendo a restante verba angariada a partir das entradas e das actividades educativas promovidas pelo Departamento de Educação e Investigação da ELA. Apesar de ter havido tentativas no sentido de solicitar o apoio dos ministérios do Ambiente e da Educação, elas revelaram-se infrutíferas.
Para além da CMG, o principal parceiro institucional da ELA é o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. A parceria com este departamento da Universidade do Porto e com outros centros de investigação é, aliás, uma das principais vocações do Departamento de Educação e Investigação, dinamizado no âmbito de um protocolo estabelecido entre a autarquia e esta instituição de ensino.
Em colaboração com o Abel Salazar e com instituições como o Centro Interdisciplinar de Investigação do Mar, o Instituto de Hidráulica da Faculdade de Engenharia da UP e a Fundação de Ciência e Tecnologia têm vindo a ser realizados projectos de investigação científica que resultaram, nomeadamente, na concepção e construção de um sistema piloto de recifes artificiais ou no repovoamento da zona rochosa da praia da Aguda.
Como não podia deixar de ser próprio de um equipamento com estas características, a ELA dispõe de um programa educativo vocacionado para as escolas do 2º e 3º ciclos do ensino básico e secundário, através do qual é possível conhecer ao vivo o ecosistema da zona. Naquele dia, por exemplo, acompanhamos a visita de uma turma do 11º ano da Escola Secundária de Gondomar, organizada pelo clube de matemática daquela escola. Divididos em dois grupos, os alunos partiram à descoberta de cracas, lapas, mexilhões, anémonas, algas e outros pequenos animais marinhos que, apesar de já fazerem parte do seu quotidiano, guardam  sempre alguns segredos.
A visita, que se prolonga por cerca de três horas, começa pela zona rochosa da praia posta a descoberto pela maré baixa. Os investigadores dividem-na em três "zonas intertidais", que albergam diferentes espécies de acordo com a sua especificidade e adaptabilidade ao meio. "Não significa que cada estrato seja exclusivo de determinadas espécies, mas elas  aparecem em maior número porque estão melhor adaptadas às condições daquele meio específico", explica a monitora - ela própria uma ex-aluna do ICBAS - perante uma plateia curiosa.
Concluída a primeira fase da visita, e antes de avançarem até à zona do parque de dunas para saber de que maneira se processa a fixação das areias e qual a sua importância para o ecosistema, tempo ainda para os alunos ouvirem uma breve história sobre a pesca local e as artes que lhe estão associadas.
Para os mais novos, entre os 3 e os 12 anos, há uma sessão especial de contos sobre o mar, complementada com uma visita livre ao Aquário e ao Museu das Pescas, para a qual é necessário efectuar uma reserva com duas semanas de antecedência. A regra é aplicada a todas as escolas que desejem realizar visitas de grupo.
A Estação Litoral da Aguda está aberta durante todo o ano das 10,00 às 18,00 horas - "nunca fechamos, nem no dia de Natal nem de Ano Novo", como assegura o próprio director - e há um sítio na internet (www.fundacao-ela.pt) onde se pode aceder a mais informação.


  
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Edição:

N.º 121
Ano 12, Março 2003

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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