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A «abordagem por competências»: revolução ou mais um equívoco dos movimentos reformadores? (II)

No campo da educação (mas também no do trabalho), as políticas que, a partir de meados da década de 80, têm vindo a ser impostas um pouco por todo o lado (?), possuem características comuns: a desresponsabilização do Estado no campo das políticas sociais, a abertura aos interesses privados de sectores tradicionalmente públicos e a responsabilização individual pelo êxito ou inêxito das suas vidas.

... E são estas pressões da economia sobre a educação que me parecem centrais na análise desta súbita emergência da «abordagem por competências» nos discursos políticos oficiais. Apesar de um dos autores de referência no campo educativo (P. Perrenoud, 2001) considerar que essas pressões constituem um dos argumentos recorrentes de muitos dos que se têm vindo a opor à emergência desta problemática tanto na esfera da educação como na do trabalho, considerando as primeiras como um ?espectro? (parafraseando Marx?) e os segundos como instrumentos de uma estratégia simplificadora das realidades que visariam a manutenção de práticas (pedagógicas ou outras) estabelecidas.
Com efeito, a probabilidade de uma «revolução» de tipo neoliberal emergir um pouco por todo o mundo é bastante elevada e não nos pode deixar indiferentes (apesar de algumas vozes terem vindo recentemente declarar que o neoliberalismo falhou nos seus propósitos e estaria, portanto, ultrapassado!). No campo da educação (mas também no do trabalho), as políticas que, a partir de meados da década de 80, têm vindo a ser impostas um pouco por todo o lado (EUA, Oceânia, Europa e América Latina), possuem características comuns: a desresponsabilização do Estado no campo das políticas sociais, a abertura aos interesses privados de sectores tradicionalmente públicos e a responsabilização individual pelo êxito ou inêxito das suas vidas. No caso europeu basta analisar o conjunto de publicações que a Comissão Europeia produziu na década de 90 para ficarmos com uma ideia clara sobre a referida relação entre economia e educação. No «livro branco» sobre educação e formação ? Ensinar e Aprender, Rumo à Sociedade Cognitiva, 1995 ? podemos encontrar os elementos que comprovam essa relação de dominação dos factores económicos face à educação, determinando-a do ponto de vista político. É assim que à educação passa a estar atribuída a função de promover a competitividade, a produtividade, o emprego e a coesão social, considerados como dimensões estruturantes da acção de todos os Estados membros.
A problemática das competências na escola (ou a partir da escola, como refere Perrenoud) parece surgir como corolário desta estratégia de matriz neoliberal, sendo introduzida em Portugal no âmbito do denominado «movimento de reorganização curricular do Ensino Básico» a partir de uma ?recomendação? da Comissão Europeia datada de 2000.
Na impossibilidade de analisar em profundidade neste espaço as obras de P. Perrenoud dedicadas à problemática em questão, autor que constitui a referência legitimadora da referida «reorganização curricular» em curso entre nós (e não só), penso ser importante referir aquilo que considero como central nessas obras. Para além do carácter ideológico da argumentação, o que emerge nelas com grande evidência é o carácter instrumental da abordagem por competências, colocada ao serviço de uma reforma educativa (curricular) de matriz dita construtivista e radicada essencialmente nos contributos da Educação Nova (questões explicitadas por Perrenoud).
Esta relação contraditória entre a perspectiva assumidamente construtivista, o actual movimento de reforma (implícito) e a abordagem por competências (cuja génese a inscreve numa outra matriz teórica e ideológica), parece-me constituir o elemento essencial de análise a produzir. Em próximos artigos começarei por identificar a génese da problemática, cotejando-a com os significados da adopção de uma lógica de reforma para a enquadrar e, por último, evidenciar o papel das escolas num processo para o qual têm vindo a ser compulsivamente arrastadas.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 121
Ano 12, Março 2003

Autoria:

Manuel António Ferreira da Silva
Instituto de Educação e Psicologia da Univ. do Minho
Manuel António Ferreira da Silva
Instituto de Educação e Psicologia da Univ. do Minho

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